O Voto ou a Bala – discurso de Malcolm X

Discurso proferido por Malcolm X, ElHajj Malik El-Shabazz, na Igreja Metodista Cory de Cleveland, no estado de Ohio, em 3 de abril de 1964, durante a Conferência promovida pelo CORE (Congresso de Igualdade Racial) chamada de “A revolta dos negros – o que vem depois?”, onde Malcolm discursou após o jornalista e escritor afro-americano Louis Emanuel Lomax. “O voto ou a bala” foi o título que o próprio Malcolm X usou para seu discurso, o mesmo que usaria para outro discurso com a mesma temática em 12 de abril de 1964, na Igreja Batista do Rei Salomão, em Detroit, Michigan. Publicado originalmente no livro Malcolm X Speaks: selected speeches and statements (1965), organizado por George Breitman, um dos fundadores do Socialist Workers Party (SWP), editor do periódico The Militant e da Pathfinder Press.

Senhor moderador, irmão Lomax, irmãos e irmãs, amigos… e inimigos. Não acredito que todos aqui sejam amigos, e não quero deixar ninguém de fora. A questão esta noite, pelo que entendi, é “a revolta dos negros e em que direção seguiremos a partir daqui?” ou “o que vem depois?”. Na minha humilde compreensão, ela aponta para o voto ou a bala.

Antes de tentarmos explicar o que significa o voto ou a bala, gostaria de esclarecer algo a meu respeito. Ainda sou um muçulmano, minha religião ainda é o Islã. Essa é minha crença pessoal. Assim como Adam Clayton Powell é um pastor cristão que dirige a Igreja Batista da Abissínia em Nova York e, ao mesmo tempo, participa das lutas políticas para tentar fazer valer os direitos dos negros neste país; e assim como o doutor Martin Luther King é um pastor cristão em Atlanta, Geórgia, que dirige outra organização que luta pelos direitos civis dos negros neste país; e assim como o pastor Galamison, acho que vocês já ouviram falar dele, é outro pastor cristão de Nova York que tem estado profundamente envolvido nos boicotes escolares para acabar com a educação segregada; bem, assim como eles, eu também sou um ministro, não um ministro cristão, mas um ministro muçulmano; e acredito na ação em todas as frentes, por qualquer meio necessário.

Embora eu ainda seja muçulmano, não estou aqui esta noite para discutir minha religião. Não estou aqui para tentar mudar a religião de ninguém. Não estou aqui para argumentar ou discutir coisa nenhuma sobre a qual discordemos, porque é hora de enterrar nossas diferenças e compreender que é melhor para nós vermos primeiro que temos o mesmo problema, um problema em comum – um problema que te faz viver num inferno, seja você batista, metodista, muçulmano ou nacionalista. Quer você seja educado ou analfabeto, quer more na alameda ou no beco, você vai viver num inferno assim como eu. Estamos todos no mesmo barco e todos vamos viver num inferno por causa do mesmo homem.

Acontece que ele é um homem branco. Todos nós temos sofrido aqui, neste país, a opressão política pelas mãos do homem branco, a exploração econômica pelas mãos do homem branco e a degradação social pelas mãos do homem branco.

Agora, quando eu falo assim, isso não significa que somos antibrancos, e sim que somos antiexploração, somos antidegradação, somos contra a opressão. E, se o homem branco não quer que sejamos contra ele, que pare de nos oprimir, explorar e degradar. Quer sejamos cristãos, muçulmanos, nacionalistas, agnósticos ou ateus, precisamos primeiro aprender a esquecer nossas diferenças. Se temos diferenças, vamos discuti-las da porta para dentro; quando formos a público, que não tenhamos nada para discutir até encerrarmos a discussão com o homem branco. Se o falecido presidente Kennedy conseguia se reunir com Khrushchov e negociar um pouco de trigo, certamente nós temos mais em comum uns com os outros do que Kennedy tinha com Khrushchov.

Se não fizermos algo muito em breve, acho que vocês vão ter que admitir que seremos forçados a fazer uso do voto ou da bala. É um ou outro em 1964. Não é que o tempo está acabando – o tempo acabou! 1964 ameaça ser o ano mais explosivo que a América já viveu. O ano mais explosivo. Por quê? É também um ano de eleição política. É o ano em que todos os políticos brancos vão voltar à chamada comunidade negra para engambelar você e eu por alguns votos. O ano em que todos os vigaristas políticos brancos vão voltar à sua e à minha comunidade com suas falsas promessas, alimentando nossas esperanças e depois nos decepcionando com suas trapaças e suas traições, com as falsas promessas que não pretendem cumprir. E, ao alimentarem essas insatisfações, só poderão levar a uma coisa: a uma explosão. Mas hoje temos em cena na América o tipo de homem negro – sinto muito, irmão Lomax – que simplesmente não pretende mais dar a outra face.

Não deixe ninguém vir te dizer que você não tem nenhuma chance. Se eles te recrutam para a guerra, te mandam para a Coreia e te obrigam a enfrentar 800 milhões de chineses, se você consegue ser valente lá, também consegue ser valente aqui mesmo. As desvantagens aqui não são tão grandes quanto as de lá. E, se você lutar aqui, pelo menos vai saber pelo que está lutando.

Não sou um político, nem mesmo um estudante de política; na verdade, não sou estudante de quase nada. Não sou democrata, não sou republicano, nem mesmo me considero americano. Se você e eu fôssemos americanos, não haveria problema. Esses gringos eslavos mal acabaram de desembarcar aqui e já são americanos; os polacos já são americanos; os refugiados italianos já são americanos. Tudo o que veio da Europa, qualquer coisa de olhos azuis, já é americano. E, por mais que você e eu já estejamos aqui há muito tempo, ainda não somos americanos.

Bem, eu sou do tipo que não se ilude. Eu não vou me sentar à sua mesa com meu prato vazio, ver você comendo e depois chamar a mim mesmo de comensal. Sentar à mesa não faz de você um comensal, a menos que você coma um pouco do que está naquele prato. Estar aqui na América não faz de você um americano. Nascer aqui na América não torna você um americano. Ora, se o nascimento tornasse você americano, você não precisaria de nenhuma legislação, não precisaria de emendas à Constituição, não enfrentaria uma obstrução pelos direitos civis em Washington. Não é preciso aprovar leis de direitos civis para transformar um polaco num americano.

Não, eu não sou americano. Sou um dos 22 milhões de negros vítimas do americanismo. Um dos 22 milhões de negros vítimas da democracia, que não passa de hipocrisia disfarçada de democracia. Então, eu não estou aqui falando com você como um americano, ou um patriota, ou alguém que vive saudando ou agitando a bandeira – não, eu não. Estou falando como uma vítima desse sistema americano. E eu vejo a América pelos olhos da vítima. Eu não enxergo nenhum sonho americano; eu enxergo um pesadelo americano.

Esses 22 milhões de vítimas estão acordando. Seus olhos estão se abrindo. Estão começando a ver, de fato, o que costumavam apenas olhar. Estão se tornando politicamente maduros. Estão compreendendo que existem novas tendências políticas de costa a costa. Ao enxergarem essas novas tendências políticas, é possível que vejam que, toda vez que há uma eleição, as disputas são tão apertadas que é necessário recontar votos. Foi preciso recontar em Massachusetts para ver quem seria o governador, de tão apertada que foi a votação. O mesmo aconteceu em Rhode Island, em Minnesota e em muitas outras partes do país. Também foi assim com Kennedy e Nixon quando se candidataram à presidência. O resultado foi tão apertado que precisaram contar tudo de novo. Bem, o que isso significa? Significa que, quando os brancos estão divididos, empatados, e os negros têm seu próprio bloco de votos, cabe aos negros determinar quem vai se instalar na Casa Branca e quem vai para a casinha do cachorro.

Foi o voto do negro que colocou a atual administração no governo, em Washington. Foi o seu voto, seu voto idiota, seu voto ignorante, seu voto desperdiçado em uma administração em Washington, que achou por bem aprovar todos os tipos de legislação imagináveis, mas deixou você para o final e, então, obstruiu tudo. E os seus e os meus líderes têm a audácia de sair por aí aplaudindo e falando sobre o quanto estamos progredindo. E que bom presidente nós temos! Mas, se ele não era bom no Texas, com certeza não pode ser bom em Washington. Porque o Texas é um estado adepto do linchamento. É semelhante ao Mississippi, sem diferença; só que eles lincham você no Texas com sotaque texano e lincham você no Mississippi com sotaque do Mississippi. E esses líderes negros têm a audácia de ir tomar café na Casa Branca com um texano, um branquelo tosco sulista – ele não passa disso –, e depois sair dizendo por aí a você e a mim que ele vai ser melhor para nós porque, como é do Sul, sabe lidar com os sulistas. Que tipo de lógica é essa? Ora, então deixem Eastland ser presidente, ele é do Sul também. Ele lidaria melhor com eles do que Johnson.

Na presente gestão, há na Câmara de Representantes 257 democratas para apenas 177 republicanos. Eles controlam dois terços dos votos da Câmara. Por que não podem aprovar algo que vai ajudar a você e a mim? No Senado, há 67 senadores que são do Partido Democrata. Apenas 33 deles são republicanos. Ora, os democratas dominam o governo, e foi você quem passou o domínio para eles. E o que eles te deram por isso? Quatro anos no cargo, e só agora dão uma olhadinha em alguma legislação de direitos civis. Somente agora, depois que todo o resto acabou, foi tirado da frente, é que eles vão se sentar com você para brincar durante todo o verão – o mesmo velho jogo, a gigantesca trapaça que eles chamam de mecanismo de obstrução. Estão todos mancomunados. Nem pense que não estão mancomunados, pois o homem que está liderando a obstrução aos direitos civis é um homem da Geórgia chamado Richard Russell. Quando Johnson se tornou presidente, o primeiro homem que ele chamou ao voltar para Washington foi Dicky – isso mostra o quanto são próximos. Esse é o cara dele, o amiguinho dele, o parceiro dele.

Mas eles estão é dando aquele velho golpe trapaceiro. Um deles finge que está a seu favor enquanto o outro é tão completamente contra você que o primeiro nunca vai ter como cumprir a promessa que fez.

Então, é hora de acordar em 1964. E, quando você perceber que estão tramando esse tipo de conspiração, deixe que vejam que você está de olho aberto. E que vejam também outra coisa bastante evidente. Que será o voto ou a bala. O voto ou a bala. Se você tem medo de usar uma expressão como essa, deveria sair do país, deveria voltar para os campos de algodão, deveria voltar para o beco. Eles ganham todos os votos do negro e, depois que conseguem, o negro não ganha nada em troca. Tudo o que fizeram quando chegaram a Washington foi dar empregos importantes a uns poucos líderes negros. Aqueles negros importantes não precisavam de empregos importantes, eles já tinham emprego. Isso é camuflagem, isso é malandragem, isso é traição, fachada. Não estou querendo atacar os democratas em favor dos republicanos; já vamos chegar neles também. Mas é verdade – você põe os democratas em primeiro lugar, e os democratas te deixam em último lugar.

Veja a coisa como ela é. Quais são os álibis deles, uma vez que controlam o Congresso e o Senado? Qual é o álibi deles quando você e eu perguntamos: “Bem, quando vocês vão cumprir sua promessa?”. Eles culpam os dixiecrats. O que é um dixiecrat? Um democrata. Um dixiecrat nada mais é do que um democrata disfarçado. O principal líder dos democratas também é o líder dos dixiecrats, porque os dixiecrats fazem parte do Partido Democrata. Os democratas nunca expulsaram os dixiecrats do partido. Os dixiecrats saíram uma vez, mas não foram os democratas que os colocaram para fora. Imagine, esses desprezíveis segregacionistas do Sul humilharam os democratas do Norte. Mas os democratas do Norte nunca humilharam os dixiecrats. Não, veja a coisa como ela é. Eles estão armando um jogo sujo, um jogo sujo político, e você e eu estamos no meio. É hora de você e eu acordarmos e começarmos a olhar para as coisas como elas são; e de tentarmos entender como elas são; então poderemos lidar com elas como elas são.

Os dixiecrats em Washington controlam os principais comitês que dirigem o governo. A única razão pela qual os dixiecrats controlam esses comitês é por terem tempo de casa, senioridade. A única razão pela qual eles têm tempo de casa é por virem de estados onde os negros não podem votar. Esse governo não é baseado em democracia nenhuma. Não é um governo constituído por representantes do povo. Metade da população do Sul nem pode votar. Eastland nem deveria estar em Washington. Metade dos senadores e deputados que ocupam posições-chave em Washington estão lá ilegalmente, estão lá de forma inconstitucional.

Eu estava em Washington há uma semana, quinta-feira, enquanto eles debatiam se deveriam ou não deixar o projeto de lei [dos direitos civis] entrar em discussão no plenário. No fundo da sala onde o Senado se reúne, há um enorme mapa dos Estados Unidos, e esse mapa mostra a localização dos negros em todo o país. E mostra que a parte sul do país, os estados em que há maior concentração de negros, é a que mais tem senadores e parlamentares se mobilizando para obstruir a discussão do projeto e armando tudo quanto é tipo de trapaça para impedir o negro de votar. Isso é lamentável. Mas não é mais lamentável para nós; é realmente lamentável para o homem branco, porque em breve, quando o negro acordar um pouco mais e perceber o buraco em que está metido, e perceber a armadilha em que está, e perceber o verdadeiro jogo em que está, aí o negro vai adotar uma nova tática. Na verdade, esses senadores e deputados violam as emendas constitucionais que garantem o direito de voto ao povo de determinado estado ou distrito. E a própria Constituição dispõe de mecanismos para expulsar qualquer representante de um estado onde o direito de voto do povo seja violado. Não é nem necessária uma nova legislação. Neste exato momento, qualquer um que esteja no Congresso representando um estado ou distrito onde os direitos de voto do povo são violados, esse indivíduo em particular deve ser expulso do Congresso. E, quando você o expulsar, terá removido um dos obstáculos impeditivos a qualquer legislação realmente significativa neste país. Na verdade, quando você os expulsar, não será necessária uma nova legislação, porque eles serão substituídos por representantes negros de condados e distritos onde o negro é maioria, e não minoria.

Se o homem negro nesses estados do Sul tivesse a plenitude de seu direito de voto garantida, os principais dixiecrats em Washington, ou seja, os principais democratas em Washington, perderiam suas cadeiras no Congresso. O próprio Partido Democrata perderia seu poder. Deixaria de ser poderoso como partido. Basta ver o tanto de poder que o Partido Democrata perderia se ficasse sem sua ala, ou seu braço, ou seu ramo dixiecrat, para entender por que é contra os interesses dos democratas conceder direito de voto aos negros em estados onde os democratas têm total poder e autoridade desde a Guerra Civil. Simplesmente não dá para pertencer a esse partido sem levar isso em conta.

Repito, não sou antidemocrata, não sou antirrepublicano, não sou “anti” nada. Estou apenas questionando a sinceridade deles e certa estratégia que têm usado com nosso povo, prometendo coisas que não pretendem cumprir. Quando você mantém os democratas no poder, você mantém os dixiecrats no poder. Eu duvido que o meu bom irmão Lomax vá negar isso. Um voto para um democrata é um voto para um dixiecrat. É por isso que, em 1964, é hora de você e eu amadurecermos politicamente e percebermos para que serve o voto; e o que supostamente vamos conseguir se votarmos; e que, se não pudermos meter nosso voto na urna, isso vai acabar na seguinte situação: vamos ter de recorrer a bala. É o voto ou a bala.

No Norte, eles fazem a coisa de maneira diferente. Eles têm um sistema conhecido como “gerrymandering”, seja lá o que isso signifique. E significa, na verdade, que, quando os negros se concentram fortemente em uma determinada área e começam a ganhar muito poder político, o homem branco aparece e altera as fronteiras do distrito. Vocês podem perguntar: “Por que você continua falando em homem branco?”. Porque é o homem branco que faz isso. Eu nunca vi nenhum negro mudar alguma fronteira. Não deixam você chegar nem perto da fronteira. É o homem branco que faz isso. E geralmente é o homem branco que mais abre os dentes para você, dá um tapinha nas suas costas e faz de conta que é seu amigo. Ele pode ser amigável, sim, mas não é seu amigo.

Então, estou tentando chamar a atenção de vocês essencialmente para o seguinte: você e eu, na América, não estamos enfrentando uma conspiração segregacionista, mas sim uma conspiração governamental. Todos aqueles que estão obstruindo a legislação são senadores – são o governo. Todos aqueles que estão trapaceando em Washington são congressistas – são o governo. As únicas pessoas que estão colocando obstáculos em seu caminho são aquelas que fazem parte do governo. Você vai ao exterior para lutar e morrer por esse governo, e é esse governo que conspira para privá-lo de seu direito de voto, para privá-lo de oportunidades econômicas, para privá-lo de uma moradia decente, de uma educação decente. Não é somente seu patrão que você precisa enfrentar. É o próprio governo, o governo da América, que é responsável pela opressão, pela exploração e pela degradação do povo negro neste país. Jogue isso no colo deles. Esse governo falhou com o negro. Essa assim chamada democracia falhou com o negro. E todos esses liberais brancos definitivamente falharam com o negro.

Então, para onde vamos a partir daqui? Primeiro, precisamos de alguns amigos. Precisamos de novos aliados. Toda a luta pelos direitos civis precisa de uma nova interpretação, uma interpretação mais ampla. Precisamos olhar para essa coisa dos direitos civis por outro ângulo – tanto do ponto de vista interno como do externo. Para aqueles de nós cuja filosofia é o nacionalismo negro, a única maneira de se envolver na luta pelos direitos civis é dar a ela uma nova interpretação. A velha interpretação nos excluiu. Manteve-nos de fora. Então, estamos dando uma nova interpretação à luta pelos direitos civis, uma interpretação que nos permitirá entrar nela e participar dela. E, quanto a esses negros de fachada, que ficam aí nessa lenga-lenga, nesse blá-blá-blá e fazendo concessões – não vamos mais permitir que continuem na lenga-lenga, no blá-blá-blá e na concessão.

Por que agradecer alguém por dar a você o que já é seu? Por que agradecer por darem a você apenas parte do que já é seu? Você não progrediu em nada se o que está sendo dado a você é aquilo que você já deveria ter. Isso não é progresso. E eu amo meu irmão Lomax e a maneira como ele mostrou que estamos de volta onde estávamos em 1954. Não estamos nem perto da situação em que estávamos em 1954. Estamos ainda mais longe de onde estávamos em 1954. Há mais segregação agora do que havia em 1954. Há mais animosidade racial, mais ódio racial, mais violência racial hoje, em 1964, do que havia em 1954. Onde está o progresso?

Eis que agora você está às voltas com uma situação em que o jovem negro está começando a aparecer. Eles não querem ouvir essa história de “dar a outra face”. Não! Em Jacksonville, foram os adolescentes que atiraram coquetéis molotov. Os negros nunca fizeram isso antes. Mas isso mostra que há um novo pacto surgindo. Há um novo pensamento surgindo. Há uma nova estratégia surgindo. Serão coquetéis molotov neste mês, granadas de mão no mês que vem e alguma outra coisa no mês seguinte. Serão votos ou serão balas. Será a liberdade ou será a morte. A única diferença desse tipo de morte é que será recíproca. Você sabe o que significa recíproco? Essa é uma das palavras do irmão Lomax, eu peguei dele. Eu geralmente não lido com palavras sofisticadas porque geralmente não lido com gente importante. Eu lido com gente comum. Só sei que dá para juntar um monte de gente comum e botar para correr um montão de gente importante. As pessoas comuns não têm nada a perder, têm tudo a ganhar. Mas logo vão dizer: “Quando um não quer, dois não brigam”.

Os nacionalistas negros, aqueles cuja filosofia é o nacionalismo negro, ao introduzirem essa nova interpretação do que significam os direitos civis, querem dizer que – como mostrou o irmão Lomax – se trata agora de igualdade de oportunidades. Bem, estamos certos em nossa busca por direitos civis se isso significa igualdade de oportunidades, porque tudo o que estamos fazendo agora é cobrar pelo nosso investimento. Nossas mães e pais investiram suor e sangue. Trabalhamos 310 anos neste país sem receber um centavo em troca – eu disse, sem receber um único centavo em troca. Você deixa o homem branco andar por aí falando de como este país é rico, mas você nunca parou para pensar em como ele ficou rico tão rápido. Ele ficou rico porque você o tornou rico.

Vejamos as pessoas que estão nesta plateia agora. Elas são pobres, todos nós somos pobres individualmente. Nosso salário semanal individual não dá para quase nada. Mas, se você pegar o salário de todos aqui, coletivamente, dá para encher um monte de cestas. É muita riqueza. Se você juntar por um ano o salário apenas destas pessoas que estão aqui, você ficará rico – mais rico do que o rico. Quando você olhar desse ponto de vista, imagine o quanto o Tio Sam ficou rico, não com este punhado de gente aqui, mas com milhões de negros. Seus pais e os meus pais, que não trabalhavam em turnos de oito horas, mas sim de sol a sol, e trabalhavam por nada, é que tornaram o homem branco rico, é que tornaram o Tio Sam rico.

Este é o nosso investimento. Esta é a nossa contribuição – nosso sangue. Não somente demos nosso trabalho gratuito como também nosso sangue. Cada vez que havia uma convocação para a guerra, éramos os primeiros a vestir o uniforme. Morremos em todos os campos de batalha que o homem branco criou. Fizemos um sacrifício maior do que qualquer um que se encontre na América hoje. Fizemos uma contribuição maior e recebemos menos. Direitos civis, para aqueles de nós cuja filosofia é o nacionalismo negro, significam: “Deem-nos tudo agora. Não é para esperar pelo próximo ano. Deem-nos tudo ontem, e ainda assim não terá sido rápido o suficiente”.

Mas preciso interromper aqui para chamar a atenção sobre uma coisa. Sempre que você está buscando algo que pertence a você, qualquer pessoa que prive você do direito de conseguir isso é uma criminosa. Entenda isso. Sempre que você está buscando algo que é seu, está dentro dos seus direitos legais reivindicá-lo. E qualquer um que insistir no esforço de privá-lo do que é seu está infringindo a lei, é um criminoso. Isso já foi determinado por decisão da Suprema Corte. Ela proibiu a segregação. O que significa que a segregação é ilegal. O que significa que um segregacionista está infringindo a lei. Um segregacionista é um criminoso. Você não pode dar outro rótulo a ele senão esse. E, quando você se manifesta contra a segregação, a lei está do seu lado. A Suprema Corte está do seu lado.

Então, quem é que se opõe a que você cumpra a lei? O próprio departamento de polícia. Com cães policiais e cassetetes. Toda vez que você se manifesta contra a segregação, seja contra a educação segregada, a habitação segregada ou qualquer outra coisa, a lei está do seu lado, e quem quer que seja um obstáculo no seu caminho não representa mais a lei. Eles estão infringindo a lei, já não representam a lei. Sempre que você se manifestar contra a segregação e um sujeito tiver a audácia de jogar um cachorro policial para cima de você, mate esse cachorro, mate, estou te dizendo, mate esse cachorro. O que eu tenho a dizer é isso. Digo, mesmo que eles me botem na prisão amanhã: mate aquele cachorro. Só assim você vai colocar um fim nisso. Agora, se esses brancos daqui não querem ver esse tipo de ação, que se mexam e digam ao prefeito para mandar o departamento de polícia prender seus cachorros. Isso é tudo o que vocês devem fazer. Se não fizerem, outra pessoa vai fazer.

Se vocês não adotarem esse tipo de resistência, seus filhos vão crescer, olhar para vocês e pensar: “Que vergonha!”. Se vocês não adotarem uma resistência inflexível… eu não quero dizer sair e ser violento. Mas, ao mesmo tempo, vocês nunca devem ser não violentos, a menos que encontrem alguma não violência. Eu não sou violento com aqueles que são não violentos comigo. Mas, quando jogam essa violência para cima de mim, aí eu fico louco e já não sou responsável pelo que faço. É assim que todo negro deve atuar. Sempre que você souber que está dentro da lei, dentro dos seus direitos legais, dentro dos seus direitos morais, de acordo com a justiça, morra por aquilo em que acredita. Mas não morra sozinho. Que sua morte seja recíproca. É isso o que se entende por igualdade. É olho por olho e dente por dente.

Quando começamos a entrar nessa área, precisamos de novos amigos, precisamos de novos aliados. Precisamos elevar a luta pelos direitos civis a um nível mais alto – ao nível dos direitos humanos. Sempre que você estiver na luta pelos direitos civis, saiba disso ou não, você está restrito à jurisdição do Tio Sam. Ninguém do mundo exterior pode falar em seu nome se sua luta é uma luta por direitos civis. Os direitos civis são parte dos assuntos internos deste país. Nenhum dos nossos irmãos africanos, dos nossos irmãos asiáticos e dos nossos irmãos latino-americanos pode abrir a boca e interferir nos assuntos internos dos Estados Unidos. Uma vez que se trate de direitos civis, ficam sob a jurisdição do Tio Sam.

Mas as Nações Unidas têm o que é conhecido como Declaração dos Direitos Humanos, têm um comitê que trata dos direitos humanos. Você pode se perguntar por que todas as atrocidades que foram cometidas na África, na Hungria, na Ásia e na América Latina são apresentadas à ONU, mas o problema do negro nunca é apresentado à ONU. Isso é parte da conspiração. Esse velho trapaceiro liberal de olhos azuis, que supostamente é seu e meu amigo, que está supostamente do nosso lado, subsidiando nossa luta e agindo na qualidade de conselheiro, nunca lhe diz nada sobre direitos humanos. Eles mantêm você restrito aos direitos civis. E você passa tanto tempo batendo na porta errada dos direitos civis que nem se dá conta de que existe ali, no mesmo andar, a porta dos direitos humanos.

Quando você eleva a luta pelos direitos civis ao plano dos direitos humanos, pode levar a questão do homem negro neste país às nações que compõem a ONU. Pode levar a questão à Assembleia Geral deles. Você pode levar o Tio Sam a um tribunal internacional. Mas o único patamar em que você pode fazer isso é aquele dos direitos humanos. Os direitos civis mantêm você sob as restrições, sob a jurisdição do Tio Sam. Os direitos civis mantêm você sob o controle dele. Direitos civis significam que você está pedindo ao Tio Sam que trate você bem. Já os direitos humanos são algo com que você nasceu. Os direitos humanos são os seus direitos concedidos por Allah. Os direitos humanos são os direitos reconhecidos por todas as nações deste mundo. E, sempre que alguém violar seus direitos humanos, você pode levá-lo ao tribunal internacional. As mãos do Tio Sam estão pingando sangue, pingando o sangue do homem negro deste país. Ele é o hipócrita número 1 do mundo. Ele tem a audácia – sim, ele tem! –, imagine, de posar como líder do mundo livre. Do mundo livre! Enquanto você continua aqui cantando “We Shall Overcome”. Elevar a luta pelos direitos civis ao patamar dos direitos humanos, levá-la às Nações Unidas, onde nossos irmãos africanos podem entrar com seu peso a nosso favor, onde nossos irmãos asiáticos podem entrar com seu peso a nosso favor, onde nossos irmãos latino-americanos podem entrar com seu peso a nosso favor e onde 800 milhões de chineses estão sentados esperando para entrar com seu peso a nosso favor.

Vamos deixar o mundo saber como as mãos do Tio Sam estão ensanguentadas. Vamos deixar o mundo saber da hipocrisia que se pratica aqui. Que seja o voto ou a bala. Vamos dizer a ele que será o voto ou a bala.

Quando você leva seu caso para a capital, Washington, você o leva ao criminoso responsável; é como correr do lobo para cair nas garras da raposa. Eles são todos cúmplices. Armam uma trapaça política e fazem você parecer idiota aos olhos do mundo. Aqui está você, perambulando pela América, se preparando para ser recrutado e enviado para o exterior, como um soldadinho de chumbo, e, quando você chega lá, as pessoas perguntam pelo que você está lutando, e você é obrigado a inventar uma história qualquer. Não! Leve o Tio Sam ao tribunal, leve-o perante o mundo.

Quando falo em “voto”, quero dizer liberdade. Você não sabe que – e eu discordo de Lomax nesta questão – o voto é mais importante do que o dólar? Posso provar isso? Sim. Preste atenção na ONU. Existem nações pobres na ONU; ainda assim, essas nações pobres podem se juntar, com seu poder de voto, e impedir que as nações ricas deem um passo sequer. Lá é um voto para cada nação – todas têm voto de igual valor. E, quando esses irmãos da Ásia, da África e das partes mais escuras deste mundo se juntam, seu poder de voto é suficiente para manter Sam em xeque. Ou a Rússia em xeque. Ou qualquer outra parte da Terra em xeque. Portanto, o voto é o mais importante.

Neste exato momento, neste país, se você e eu, os 22 milhões de afro-americanos… é isso que somos, africanos que estão na América. Vocês não são nada além de africanos. Nada além de africanos. Na verdade, vocês ganhariam muito mais chamando a si mesmos de “africanos” do que de “negros”. Os africanos não vivem num inferno. Vocês são os únicos que vivem num inferno. Não precisam aprovar projetos de lei de direitos civis para os africanos. Um africano pode ir a qualquer lugar que queira agora. Tudo o que você precisa fazer é amarrar um pano na sua cabeça. Isso mesmo, e vá para onde quiser. Apenas pare de ser um negro. Mude seu nome para “Hoogagagooba”. Isso vai te mostrar como o homem branco é imbecil. Você está lidando com um homem imbecil. Um amigo meu que tem a pele muito escura colocou um turbante na cabeça e foi a um restaurante em Atlanta, antes de eles se declararem dessegregados. Ele entrou num restaurante branco, sentou-se, serviram-no, e ele perguntou: “O que aconteceria se um negro entrasse aqui?”. E lá estava ele sentado, escuro como a noite, mas, como usava um turbante na cabeça, a garçonete olhou para ele e disse: “Ora, mas nenhum nigger teria coragem de entrar aqui”.

Então, você está lidando com um homem cujo preconceito e discriminação estão fazendo com que ele perca a cabeça, a inteligência, todos os dias. Ele está aterrorizado. Ele olha em volta e vê o que está acontecendo no mundo, vê que o pêndulo do tempo está balançando em nossa direção. As pessoas escuras estão acordando. Estão perdendo o medo do homem branco. Em nenhum dos lugares onde o branco está lutando neste momento ele está vencendo. Em todos os lugares onde está lutando, luta contra alguém da nossa compleição física. Mas está sendo derrotado. Não pode mais vencer. Ele venceu sua última batalha. Não conseguiu vencer a Guerra da Coreia. Não podia vencer. Teve que assinar uma trégua. Isso é uma derrota. Toda vez que o Tio Sam, com todo o seu maquinário de guerra, é levado ao empate com alguns comedores de arroz, ele perdeu a batalha. Ele teve que assinar uma trégua. Não é papel da América assinar tréguas. Ela tem que ser malvada. Mas ela já não é tão malvada assim. Ela só será malvada se puder usar sua bomba de hidrogênio, mas não pode usar, por medo de que a Rússia possa usar a dela também. Mas a Rússia não pode usar a sua, por medo de que Sam possa usar a dele. Então, ambos estão sem armas. Eles não podem usar a arma porque a arma de um anula a do outro. Portanto, o único lugar onde a ação pode ocorrer é no solo. Mas o homem branco não vai conseguir ganhar outra guerra travada no solo. Aqueles tempos acabaram. O homem preto sabe disso, o homem marrom sabe, o homem vermelho sabe e o homem amarelo sabe disso. Por isso fazem guerras de guerrilha contra o branco. E esse não é o estilo dele. É preciso ter valentia para ser um guerrilheiro, e ele não tem valentia. Garanto isso a vocês.

Agora eu quero fazer só um pequeno resumo sobre o que é a guerra de guerrilha, porque, antes que você se dê conta… é preciso coragem para ser um guerrilheiro, porque você estará por conta própria. Na guerra convencional, você tem tanques e várias outras pessoas com você para te proteger, aviões sobre sua cabeça e todo esse tipo de coisa. Mas um guerrilheiro está sozinho. Tudo que você tem é um rifle, um tênis e uma tigela de arroz, e isso é tudo de que você precisa – e muita coragem. Veja os japoneses, em algumas daquelas ilhas do Pacífico, quando os soldados americanos desembarcavam, um único japonês conseguia às vezes conter todo um exército. Ele só precisava esperar o sol se pôr, e, quando o sol se punha, eram todos iguais. Ele pegava sua faquinha e ia se esgueirando de arbusto em arbusto, de americano em americano. Os soldados brancos não conseguiram lidar com isso. Quando você encontra algum soldado branco que lutou no Pacífico, percebe que ele tem tremores, sofre de nervosismo, porque lá quase o mataram de medo.

A mesma coisa aconteceu com os franceses na Indochina Francesa. Pessoas que poucos anos antes eram camponeses plantadores de arroz se reuniram e expulsaram da Indochina aquele exército francês fortemente mecanizado. Ninguém precisa mais disso – a guerra moderna hoje não funciona. Esta é a era da guerrilha.

Aconteceu a mesma coisa na Argélia. Os argelinos, que não passavam de beduínos, pegaram uma espingarda e escaparam para as colinas; e De Gaulle e todo o seu pretensioso maquinário bélico não conseguiram derrotar aqueles guerrilheiros. Em nenhum lugar deste mundo o homem branco venceu uma guerra de guerrilha. Não é negócio para ele. Uma vez que a guerra de guerrilha está prevalecendo na Ásia, em partes da África e em partes da América Latina, só sendo muito ingênuo ou menosprezando muito o homem negro para achar que ele não vai acordar algum dia e descobrir que tem que ser o voto ou a bala.

Gostaria de dizer, para encerrar, algumas coisas sobre a Mesquita Muçulmana, Inc. que fundamos recentemente na cidade de Nova York. É verdade que somos muçulmanos e nossa religião é o Islã, mas não misturamos nossa religião com nossa política e nossas atividades sociais e civis – não mais. Mantemos nossa religião em nossa mesquita. Depois que nosso serviço religioso termina, então, como muçulmanos, nos envolvemos em ações políticas, econômicas, sociais e civis. Nós nos envolvemos com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer forma, contanto que o objetivo seja acabar com os males, os males políticos, econômicos e sociais que estão afligindo os indivíduos de nossa comunidade.

A filosofia política do nacionalismo negro consiste em que o homem negro deve controlar a política e os políticos em sua própria comunidade, nada além disso. O homem negro na comunidade negra tem que ser reeducado na ciência da política, de modo que ele saiba o que a política deve lhe dar em troca. Não desperdice nenhum voto. Um voto é como uma bala. Não use seu voto se não tiver um alvo; e, se esse alvo não estiver ao seu alcance, guarde seu voto no bolso. A filosofia política do nacionalismo negro está sendo ensinada hoje na igreja cristã. Está sendo ensinada na NAACP. Está sendo ensinada nas reuniões do CORE. Está sendo ensinada nas reuniões do SNCC. Está sendo ensinada em reuniões muçulmanas. Está sendo ensinada ali onde ninguém além de ateus e agnósticos se reúnem. Está sendo ensinada em todos os lugares. Os negros estão fartos da lenga-lenga e do blá-blá- blá, das concessões que temos feito para obter nossa liberdade. Queremos liberdade agora, mas não vamos conseguir isso cantando “We Shall Overcome”. Temos que lutar até vencer.

A filosofia econômica do nacionalismo negro é pura e simples. Significa apenas que devemos controlar a economia da nossa comunidade. Por que os brancos têm de ser os donos de todas as lojas da nossa comunidade? Por que os brancos têm de ser os donos dos bancos da nossa comunidade? Por que a economia da nossa comunidade tem de estar nas mãos do homem branco? Por quê? Se um homem negro não pode mudar sua loja para uma comunidade branca, você me diga por que um homem branco pode mudar sua loja para uma comunidade negra. A filosofia do nacionalismo negro envolve um programa de reeducação da comunidade negra no que diz respeito à economia. É preciso fazer nossa gente compreender que, sempre que você leva seu dinheiro para fora de sua comunidade e o gasta em uma comunidade onde não vive, a comunidade onde você vive fica cada vez mais pobre e a comunidade onde gasta seu dinheiro fica cada vez mais rica. Daí você se pergunta por que o lugar onde mora é sempre um gueto ou uma favela. E, no que diz respeito a você e a mim, não perdemos apenas quando gastamos nosso dinheiro fora da comunidade, mas também porque o homem branco controla todas as lojas na nossa comunidade. De modo que, embora gastemos nosso dinheiro na comunidade, no fim do dia o homem que é dono da loja leva embora esse dinheiro para algum outro lugar da cidade. Então, estamos encurralados pelo homem branco.

Portanto, a filosofia econômica do nacionalismo negro entende que, em cada igreja, em cada organização civil, em cada fraternidade, é hora de o nosso povo se conscientizar da importância de controlar a economia da nossa comunidade. Se somos os donos das lojas, se operamos os negócios, se tentamos estabelecer alguma indústria em nossa própria comunidade, então estamos evoluindo para a posição em que criaremos empregos para a nossa própria gente. Quando tivermos o controle da economia de nossa própria comunidade, não precisaremos mais fazer piquetes, boicotar e implorar a algum branquelo racista do centro da cidade por um emprego no negócio dele.

A filosofia social do nacionalismo negro entende simplesmente que temos que nos juntar e combater os males, os vícios, o alcoolismo, a dependência de drogas e outras mazelas que estão destruindo a fibra moral de nossa comunidade. Nós mesmos temos que elevar o nível de nossa comunidade, o padrão de nossa comunidade, a um patamar mais alto, tornar bonita nossa própria sociedade, para que possamos ficar satisfeitos em nossos próprios círculos sociais, e não correndo por aí, tentando forçar a entrada em um círculo social onde não somos bem-vindos.

Então eu digo que, ao difundirmos um evangelho como o nacionalismo negro, não pretendemos fazer o homem negro reavaliar o homem branco – você já o conhece –, mas fazer o homem negro reavaliar a si mesmo. Não tente mudar a cabeça do homem branco – você não vai conseguir mudar a cabeça dele. E toda aquela conversa mole sobre apelar para a consciência moral da América… a consciência da América faliu. Ela perdeu toda a consciência há muito tempo. Tio Sam não tem consciência. Eles não sabem o que é moral. Não vão eliminar o mal por ser uma coisa ruim em si, nem por ser ilegal, nem por ser imoral; eles só vão eliminá-lo quando ameaçar a existência deles. Então, você está perdendo seu tempo apelando para a consciência moral de um ser falido como o Tio Sam. Se ele tivesse uma consciência, corrigiria essa situação sem sofrer mais nenhuma pressão. Portanto, não é necessário mudar a mente do homem branco. Precisamos mudar nossa própria mente. Você não pode mudar a opinião dele sobre nós. Nós é que temos de mudar nossa opinião sobre nós mesmos. Temos que nos ver uns aos outros com novos olhos. Temos que nos ver como irmãos e irmãs. Temos que nos unir cordialmente para que possamos desenvolver a unidade e a harmonia necessárias para resolvermos esse problema por nós mesmos. Como podemos fazer isso? Como podemos evitar o ciúme? Como evitar as suspeitas e as divisões que existem dentro da comunidade? Eu vou dizer a vocês como.

Eu tenho observado como Billy Graham chega a uma cidade divulgando o que ele chama de evangelho de Cristo, mas que não passa de nacionalismo branco. É isso que ele é. Billy Graham é um nacionalista branco. Eu sou um nacionalista negro. No entanto, na medida em que é uma tendência natural dos líderes sentirem ciúmes uns dos outros e olharem para uma figura poderosa como Graham com suspeita e inveja, como é possível ele vir a uma cidade e conseguir toda a cooperação de lideranças da igreja? Não pense que, por serem lideranças da igreja, eles não têm fraquezas que os levam à inveja e ao ciúme – não, todo mundo tem. Não é por acaso que, quando eles querem escolher um cardeal [como Papa] em Roma, eles se trancam a sete chaves, para que você não possa ouvi-los xingando, brigando e se comportando mal.

Billy Graham chega pregando o evangelho de Cristo, ensina o evangelho, comove todo mundo, mas nunca tenta fundar uma igreja. Se tentasse fundar uma igreja, todas as igrejas seriam contra ele. Então, ele simplesmente entra falando sobre Cristo e diz a todos que recebem Cristo para ir a qualquer igreja onde Cristo esteja; dessa forma, a igreja coopera com ele. Então, vamos aprender com o exemplo dele.

Nosso evangelho é o nacionalismo negro. Não estamos tentando ameaçar a existência de nenhuma organização, estamos divulgando o evangelho do nacionalismo negro. Em qualquer lugar onde haja uma igreja que também esteja pregando e praticando o evangelho do nacionalismo negro, junte-se a essa igreja. Se a NAACP estiver pregando e praticando o evangelho do nacionalismo negro, junte-se à NAACP. Se o CORE estiver divulgando e praticando o evangelho do nacionalismo negro, junte-se ao CORE. Junte-se a qualquer organização cujo evangelho seja para erguer o homem negro. Mas, se você se juntar e perceber que eles estão naquele blá-blá-blá ou fazendo concessões, saia fora, porque isso não é nacionalismo negro. Vamos encontrar outra igreja.

Dessa forma, as organizações vão crescer em número, em quantidade e em qualidade. Já em agosto, nossa intenção é organizar uma convenção do nacionalismo negro, que será composta por delegados de todo o país interessados na filosofia política, econômica e social do nacionalismo negro. Depois que esses delegados se reunirem, faremos um seminário, promoveremos debates, escutaremos a todos. Queremos ouvir novas ideias, novas soluções e novas respostas. E, nessa ocasião, se acharmos adequado formar um partido nacionalista negro, formaremos um partido nacionalista negro. Se for necessário formar um exército nacionalista negro, formaremos um exército nacionalista negro. Será o voto ou a bala. Será a liberdade ou será a morte.

É hora de você e eu deixarmos de ficar esperando neste país, de deixarmos de aceitar que esses senadores branquelos racistas, branquelos racistas do Norte e do Sul, se instalem lá em Washington e concluam, da cabeça deles, que você e eu talvez devamos ter direitos civis. Nenhum homem branco vai me dizer nada sobre os meus direitos. Irmãos e irmãs, lembrem-se sempre, se não é preciso haver senadores, deputados e proclamações presidenciais para que o homem branco tenha sua liberdade garantida, então não é necessário legislação, nem proclamação, nem decisões da Suprema Corte para garantir liberdade ao homem negro. Vamos avisar àquele homem branco: se este é um país de liberdade, que seja um país de liberdade; e, se não for um país de liberdade, que mudem o país.

Trabalharemos com qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora, que esteja genuinamente interessada em enfrentar o problema de frente, de forma não violenta, desde que o inimigo seja não violento, mas de forma violenta quando o inimigo se tornar violento. Vamos trabalhar com vocês na campanha de inscrição de eleitores, estaremos com vocês nas greves do aluguel, vamos apoiar vocês nos boicotes escolares – não acredito em nenhum tipo de integração; não estou nem preocupado com isso, porque sei que vocês, de todo modo, não vão conseguir; e não vão conseguir porque têm medo de morrer. Vocês precisam estar prontos para morrer se tentarem se impor ao homem branco, porque ele vai ser tão violento aqui em Cleveland quanto aqueles branquelos racistas lá no Mississippi. Mas ainda vamos apoiar vocês nos boicotes escolares, porque somos contra um sistema educacional segregado. Um sistema educacional segregado produz crianças que, quando se formam, se formam com a mentalidade deformada. Mas uma escola segregada não é sinônimo de uma escola toda negra. Uma escola segregada é uma escola controlada por pessoas que não têm nenhum interesse real nela.

Deixem-me explicar o que quero dizer. Um distrito segregado ou uma comunidade segregada é uma comunidade na qual as pessoas vivem, mas cuja política e economia são controladas por gente de fora. Eles nunca se referem ao setor branco da cidade como uma comunidade segregada. O setor dos negros é que é uma comunidade segregada. Por quê? O homem branco controla sua própria escola, seu próprio banco, sua própria economia, sua própria política, toda e qualquer coisa sua, sua própria comunidade – mas ele também controla a nossa comunidade negra. Quando você está sob o controle de outra pessoa, você está segregado. Eles sempre dão a você o mais baixo ou o pior do que há para oferecer, mas não é que você esteja segregado por só ter o que lhe cabe. Você precisa controlar o que é seu. Assim como o homem branco tem o controle sobre o que é dele, você precisa controlar o que é seu.

Vocês conhecem a melhor maneira de se livrar da segregação? O homem branco tem mais medo da separação do que da integração. Segregação significa que ele afasta vocês, mas não o bastante para que fiquem fora da jurisdição dele; separação significa que vocês foram embora. E o homem branco vai preferir se integrar mais rápido a deixar vocês se separarem. Portanto, trabalharemos com vocês contra o sistema educacional segregado porque é criminoso, porque é absolutamente destrutivo, de todas as maneiras imagináveis, para a mente das crianças expostas a esse tipo de educação deformadora.

Por último, mas não menos importante, devo dizer algo a respeito da grande controvérsia sobre fuzis e espingardas. A única coisa que eu já disse é que, em áreas onde o governo se mostrou relutante ou incapaz de defender a vida e a propriedade dos negros, é hora de os negros se defenderem. O artigo número 2 da emenda constitucional concede a você e a mim o direito de possuir um fuzil ou uma espingarda. É constitucionalmente legal possuir uma espingarda ou um fuzil. Isso não significa que você vá pegar um fuzil, formar um batalhão e sair à caça de brancos, embora você esteja no seu direito – quero dizer, você teria razão; mas isso seria ilegal, e nós não fazemos nada ilegal. Se o homem branco não quer que o homem negro compre fuzis e espingardas, então que mande o governo fazer seu trabalho. Isso é tudo. E não permita que o homem branco chegue para você e pergunte “o que você acha sobre o que o Malcolm diz?” – ora, seu velho Pai Tomás! Ele nunca perguntaria se soubesse que você responderia: “Amém!”. Não, ele está te transformando num Pai Tomás.

Então, isso não significa formar clubes de tiro e sair por aí caçando pessoas, mas agora é a hora, em 1964, se você é um homem, de fazer o homem branco saber disso. Se ele não fizer o trabalho de controlar o governo, para proporcionar a você e a mim a proteção para a qual os impostos que pagamos supostamente servem – já que ele gasta todos aqueles bilhões com seu orçamento de defesa –, ele certamente não vai se irritar se gastarmos doze ou quinze dólares numa arma de ação simples ou numa de ação dupla. Espero que vocês me entendam. Não saiam por aí atirando nas pessoas, a não ser, irmãos e irmãs, e especialmente os homens nesta plateia – vocês que exibem a medalha de honra do Congresso, de ombros tão largos, de peitos tão estufados, tão musculosos –, a não ser quando lermos que eles bombardearam uma igreja e mataram, a sangue-frio, não alguns adultos, mas quatro meninas que oravam para o mesmo deus que o homem branco ensinou-as a orar; a não ser quando você e eu virmos que o governo vai até lá e não encontra quem fez aquilo.

Ora, esse homem branco é capaz de encontrar Eichmann escondido em algum lugar da Argentina! Se dois ou três soldados americanos estiverem vigiando negócios alheios lá para as bandas do Vietnã do Sul e forem mortos, ele vai enviar navios de guerra, metendo o nariz onde não foi chamado. Ele queria enviar tropas a Cuba para impor a eles o que chama de eleições livres – mas esse branquelo racista não tem eleições livres em seu próprio país. Não, se você nunca mais me vir em sua vida, se eu morrer pela manhã, vou morrer dizendo uma coisa: o voto ou a bala, o voto ou a bala.

Se um negro em 1964 ainda tem que esperar sentado quando algum senador branquelo racista obstrui a votação dos direitos das pessoas negras, ora, você e eu deveríamos nos enforcar de vergonha. Vocês falam de uma marcha sobre Washington em 1963, mas vocês ainda não viram nada. Há muito mais para acontecer em 1964. E desta vez os negros não vão como no ano passado. Eles não vão cantando “We Shall Overcome”. Eles não vão com seus amigos brancos. Eles não vão com cartazes já pintados para eles. Eles não vão com passagens de ida e volta. Eles estão indo só com a passagem de ida.

E, se eles não querem que aquele exército contrário à não violência vá até lá, digam a eles para acabarem com as obstruções. Os nacionalistas negros não vão esperar. Lyndon B. Johnson é o líder do Partido Democrata. Se ele é a favor dos direitos civis, que vá ao Senado na próxima semana declarar isso. Que entre lá agora e declare. Que vá lá e denuncie a ala sulista do seu partido. Que entre lá agora e assuma um posicionamento moral – agora mesmo, e não depois. Digam isso a ele, não esperem até a hora das eleições. Se ele esperar muito, irmãos e irmãs, será responsável pelo desenvolvimento de uma atmosfera tal capaz de fazer brotar sementes de uma vegetação muito diferente de tudo o que as pessoas já imaginaram. Em 1964, é o voto ou a bala. Obrigado.

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