Marighella, o profeta armado

Artigo de apresentação escrito pelo Movimento de Unidade Popular para a edição especial do “Minimanual do Guerrilheiro Urbano” (110 págs, 2021).

Carlos Marighella é a figura histórica mais simbólica da resistência revolucionária contra a ditadura militar fascista em nosso país. Sua vida é também a melhor síntese da nossa formação social e das lutas do povo brasileiro. Nascido em 5 de dezembro de 1911, na Baixa dos Sapateiros, em Salvador (BA), foi o primeiro filho de Augusto Marighella, um operário italiano com influências anarquistas de Ferrara, região da Emília-Romagna, e de Maria Rita do Nascimento, uma mulher negra descendente de escravizados haussás sequestrados na região do Sudão Central, atual norte da Nigéria, de onde vieram parte dos negros islamizados que protagonizaram a Revolta dos Malês em 1835. Homenageado nas artes, cantado em músicas, retratado no cinema ou reivindicado como referência por diversas tendências de esquerda, a trajetória do revolucionário baiano é tema também de diversas pesquisas e livros, mas o significado de Marighella tem sido muitas vezes tratado de forma mistificada. Homem de ação, comunista disciplinado, revolucionário de corpo e alma, parte da memória construída sobre o dirigente guerrilheiro que fundou a Ação Liberadora Nacional (ALN) tem sido muitas vezes parte de um esforço deliberado para retirar de seu legado o conteúdo e a atualidade do programa revolucionário e socialista pelo qual lutou e entregou sua vida.

Este livro, com a versão original do mítico texto do “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”, além da primeira entrevista de Marighella concedida em Cuba e publicada em forma de artigo na revista Tricontinental, que apresentamos aqui pela primeira vez em português, é parte de um fundamental trabalho de pesquisa e recuperação dos textos políticos e documentos originais de Carlos Marighella e da ALN realizado pelo Editorial Adandé, que permaneceram em grande medida mais de 50 anos em esquecimento, e que deram origem aos livros da coleção “Pensamento Marighella”.  O texto do Minimanual, até ser publicado em sua íntegra na antologia política “Minimanual do Guerrilheiro Urbano e Textos da ALN” (2021) circulou por bastante tempo em versões reescritas ou traduzidas a partir do espanhol. Com esta edição especial, que marca a colaboração entre o Editorial Adandé e o Movimento de Unidade Popular, afora o objetivo de difundir o texto original do Minimanual, buscamos também contribuir para recuperar a atualidade do pensamento de Carlos Marighella e da estratégia revolucionária da ALN, que compõem parte de nossas principais referências para a construção do programa popular e revolucionário no Brasil de hoje.

Recuperar a atualidade revolucionária de Marighella é uma dupla tarefa. É primeiro um trabalho político-teórico que tem como objetivo central popularizar os escritos originais do dirigente guerrilheiro e da organização que fundou, desmistificando a figura de Marighella e a apropriação oportunista de sua memória, estabelecendo a partir da batalha no campo da teoria, o verdadeiro significado do seu legado, sintetizado como Pensamento Marighella. Em segundo, é uma tarefa político-social, uma batalha pela atualidade de um programa revolucionário para o Brasil, que parte igualmente de um balanço crítico da estratégia de massas e político-militar para a revolução brasileira proposta por Carlos Marighella e pela Ação Libertadora Nacional, como principal organização revolucionária armada que enfrentou a ditadura militar brasileira.

Reivindicar a continuação histórica da linha revolucionária no Brasil é, portanto, também reafirmar hoje o Pensamento Marighella, adaptando para nossas condições atuais o conjunto de métodos forjados no fogo da luta armada pela geração anterior. O conceito organizacional de democracia revolucionária, a leitura antidogmática e antisectária necessária para construir os necessários instrumentos orgânicos, a centralidade da ação contra as variantes do teoricismo e do burocratismo, a intransigência de classe e a firmeza no combate ao colaboracionismo, a busca pelo equilíbrio entre a ação de massas e o papel da vanguarda que se determinam pelas condições históricas, o profundo caráter anti-imperialista de nossa luta de libertação que se conjuga necessariamente com o objetivo socialista, a unidade popular como elemento fundamental e produto da aliança operário-camponesa, com a participação ativa da juventude revolucionária e dos setores médios que aderem à causa do povo, a dimensão tática da luta nas cidades e a guerra revolucionária como objetivo estratégico que se produz a partir da formação das colunas guerrilheiras no campo como base fundamental para a construção de um exército popular de libertação, imprescindível para a tomada do poder pelo povo em armas e a construção do socialismo no Brasil, são ensinamentos programáticos que, em grande parte, mantém a validade do projeto revolucionário da ALN.

Essa referência fundamental, que se soma as diversas experiências de resistência revolucionária dos povos em luta que reivindicamos, nos aponta o caminho para realizar nos dias atuais as tarefas necessárias para a nossa libertação. Marighella nos ensinou que: “É um círculo vicioso. O movimento de massas avança, em seguida é detido pelo golpe militar. Passa-se algum tempo de ditadura, mais ou menos duradouro, que nada resolve para o povo. Vem a desmoralização dos ditadores. Surgem os líderes burgueses que pleiteiam eleições e democracia para salvar o país (…). O movimento de massas cresce mais uma vez. Em seguida vem um novo golpe militar e tudo recomeça. […] É que por meio de eleições ou pela via pacífica jamais o povo brasileiro se libertará. Não há outro caminho para os trabalhadores senão conquistar o poder pela violência e destruir o aparelho burocrático-militar do Estado, substituindo-o pelo povo armado.” (Mensagem aos Operários do Brasil através da Rádio Havana, 1967).

Nossos desafios hoje, relativos à mobilização popular e organização de base, a radicalização das lutas do povo através de um programa reivindicativo para a construção das frentes de massas coordenadas em torno da ação direta popular e de uma orientação combativa, e em concomitância, a corporificação de uma vanguarda forjada no enfrentamento real, capaz não somente de produzir teoria e propaganda, mas também de impulsionar o necessário nível de organização político-militar, ligando a partir da realidade concreta e da ação criativa o programa reivindicativo com o programa revolucionário, que aponta de forma palpável como transformar a realidade de nossa gente, acumulando força e organização para uma ruptura revolucionária e a construção do socialismo como consequência da guerra popular, se resumem como apenas uma grande tarefa, que é a de construir o que chamamos de programa popular e revolucionário. Um programa que parte das necessidades reais de sobrevivência e mais básicas de nosso povo, articulando uma saída anticapitalista e uma alternativa de poder do povo como horizonte, derrotando a barbárie capitalista, seu Estado e seu aparato burocrático-militar para abrir o caminho de nossa libertação e de uma nova uma sociedade, socialista e baseada na justiça.

REFAZER O PERCURSO DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA 

“É difícil explicar o destemor de Marighella. Qualquer pessoa que houvesse sofrido a violência que ele sofreu teria tido uma transformação defensiva em sua personalidade. Mas ele não. Tenho a impressão de que ele pessoalmente nunca sentiu medo de outra pessoa. Andava por qualquer lugar, com seu corte de cabelo sempre esquisito (moicano). Quando as pessoas o encaravam, fitava-as com seu olhar intenso e elas se retraíam. Movia-se como se o mundo inteiro lhe pertencesse. E todos deviam precatar-se de que isso era verdade. Alguém do Candomblé diria que Xangô ou Ogum vivia encarnado nele. Não só era destemido: infundia coragem. Era impossível sentir medo na companhia dele. Aquela extraordinária energia agarrava você também…”, com essas palavras, o professor Wilson Negão (Escritos Estratégicos (Maria Antônia Edições; GMARX; 2019), ex-preso político e combatente da ALN, nos define o revolucionário baiano, que foi alçado pelo regime à condição de “inimigo número 1” da ditadura militar-empresarial e se tornou uma referência para a esquerda revolucionária em todo o mundo.

Carlinhos, como era conhecido pelos amigos de infância, se destacou nos estudos secundários e desde muito cedo se interessava por poesia e temas sociais. Em 1932 é detido após escrever versos contra Juracy Magalhães e em 1934 já como estudante de Engenharia Civil adere ao Partido Comunista do Brasil (que passaria a se chamar Partido Comunista Brasileiro apenas em 1961). Participando ativamente da estrutura partidária do PCB, se transfere para o Rio de Janeiro no ano seguinte, tornando-se responsável pelo setor de propaganda do partido, é preso e torturado em 1936 pela polícia especial de Filinto Müller durante o governo Getúlio Vargas. Passa a viver na clandestinidade e se muda para São Paulo também cumprindo tarefas do PCB, é capturado novamente em 1939 e passa por prisões em Fernando de Noronha (PE) e na Ilha Grande (RJ), até ser anistiado em 1945. Com o fim do Estado Novo e a derrota do nazifascismo, o PCB volta à vida legal e participa das eleições para a Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Marighella é eleito deputado pela Bahia, tornando-se um dos 14 membros da bancada comunista.

Eleito quando ainda estava preso para o Comitê Central, o baiano se torna também o principal dirigente do PCB em São Paulo, sendo responsável por coordenar o trabalho sindical e a mobilização operária, depois assumindo a Comissão Agrária do partido. Sempre muito fiel à disciplina partidária e a liderança de Luís Carlos Prestes, “Cavaleiro da Esperança”, após uma série de críticas aos métodos do trabalho de massas do partido é punido com um afastamento temporário. Em 1952, é enviado para uma viagem à China maoísta, passando depois pela URSS. Com a crise desatada após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e a divulgação do famoso relatório de Nikita Khrushchev com acusações e falsificações sobre Josef Stalin em 1956, o PCB passa por um processo de luta interna que termina com a expulsão de parte do Comitê Central em 1957, na cisão que daria origem ao PCdoB. Marighella, nesse momento, ainda se mantém ao lado das posições prestistas da direção do PCB.

A partir de 1961, a renúncia de Jânio Quadros abre uma nova situação no país, tem início a campanha da legalidade para garantir a posse de João Goulart. O PCB participa do apoio ao governo Jango e da campanha pelas reformas de base, mas a conjuntura se radicaliza rapidamente culminando no golpe de Estado de 1964. Uma crise profunda se instala no Partidão. Em maio, Carlos Marighella é preso por agentes do DOPS dentro de um cinema na Tijuca, no Rio de Janeiro, após enfrentar os policiais recebe um tiro à queima-roupa no peito, permanece preso por 3 meses, passa a viver a partir desse momento na clandestinidade, publicando em 1965 o livro “Por Que Resisti à Prisão”. O comunista baiano critica principalmente o imobilismo do partido diante do golpe militar e a confiança do PCB nos acordos de cúpula e sua política a reboque da “burguesia nacional”, em 1966 publica “A Crise Brasileira” e nesse momento também amplia seu processo de autocrítica e radicalização, influenciado principalmente pelas concepções castro-guevaristas da Revolução Cubana. Enquanto outros setores da esquerda brasileira, principalmente de ex-militares cassados ligados a Leonel Brizola e organizações como a Política Operária (POLOP), o primeiro Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e o PCdoB tentavam iniciar focos guerrilheiros ou começavam a preparar a luta armada contra a ditadura, o PCB vivia um intenso processo de disputa interna do qual jamais se recuperaria. Em 1967, após viajar para Cuba e ser desautorizado pelo Comitê Central de participar da 1ª Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), Marighella se demite dos cargos que ocupava na direção partidária. O debate que se estende desde 1964 por todos os organismos do partido se consuma com um golpe burocrático e a expulsão de parte do Comitê Central no VI Congresso do PCB, em dezembro de 1967. Diversas dissidências favoráveis a luta armada contra o regime vão se formando, milhares de militantes deixam o partido para pegar em armas, a “corrente revolucionária” dirigida pelo também baiano Mário Alves inicia a formação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e a chamada “Ala Marighella” dá origem ao “Agrupamento Comunista de São Paulo”, que precedeu a ALN. Outras organizações armadas também vão se formando com dissidências locais do PCB, da POLOP e ex-militares, como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e os Comandos de Libertação Nacional (COLINA), ou a partir de rachas do PCdoB, como a Ala Vermelha (PCdoB-AV) e o Partido Comunista Revolucionário (PCR). 

A luta armada revolucionária contra a ditadura perdurou entre 1964 e 1974 e teve seu auge entre os anos de 1968 e 1972, até começar a ser derrotada pela máquina sanguinária de repressão do regime fascista dos generais, apoiado diretamente pelos EUA e pela burguesia. Tentativas com inspirações brizolistas como a Guerrilha de Três Passos, impulsionada pelo Movimento Revolucionário 26 de Março (MR-26) em 1965 no Rio Grande do Sul e a Guerrilha do Caparaó organizada pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) na divisa entre o Espírito Santo e Minas Gerais, entre 1966 e 1967, são logo suprimidas prela repressão. Com as organizações armadas tomando forma de fato a partir de 1968 se constituem dois campos distintos mais importantes, um a partir da influência castro-guevarista e operando taticamente nas cidades como no caso da ALN, da VPR e demais organizações que se coordenaram na Frente Armada Revolucionária, composta também pelo PCBR, o segundo MR-8, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e pontualmente a VAR-Palmares, e outro sob influência maoísta que tomava como principal referência a estratégia da guerra popular prolongada a partir do campo, com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a Ação Popular Marxista-Leninista (APML), que após divisões se unificou ao PCdoB. Com diferenças acerca da estratégia e diferentes leituras da luta de classes no Brasil, essas organizações se dividiam, grosso modo, entre a luta de libertação nacional como primeira etapa do processo revolucionário ou o objetivo imediato da revolução socialista como resultado da guerra revolucionária, mas confluíam quanto às tarefas de derrubada da ditadura através da luta armada e a constituição de um governo popular revolucionário.       

A luta armada no Brasil, em que pese seu caráter particular, não esteve deslocada das lutas insurgentes e processos revolucionários na vaga histórica aberta na segunda metade do século XX, cujo símbolo maior é a vida dedicada à causa dos povos em luta do comandante Che Guevara. Além das revoluções socialistas na China (1949) e em Cuba (1959), processos como a vitória da guerra anticolonial na Argélia (1962), a guerra de libertação do Vietnã contra os EUA (1955-1975) e os diversos processos insurrecionais que se estenderam por toda a América Latina e a África nos anos 1960 e 1970, influenciaram a resistência revolucionária em nosso país, que teve seu ápice no biênio insurgente de 1968-69, ao ponto do próprio governo dos EUA admitir a iminência da derrubada da ditadura, mas que esbarrou nas dificuldades próprias da conjuntura enfrentada e em sucessivos erros estratégicos da esquerda revolucionária, que não podem ser julgados com arrogância histórica e cujos limites dessa apresentação não nos permitem aprofundar. Nesse sentido, o trabalho teórico empreendido pelo Editorial Adandé tem sido fundamental, ao realizar a partir da pesquisa histórica e do trabalho editorial de propaganda e formação, um balanço das experiências e das organizações revolucionárias, com o objetivo de formular uma teoria da violência para a revolução brasileira e, colaborando assim, com o debate estratégico sobre uma concepção político-militar atual.

UM MANUAL PARA A LIBERTAÇÃO

Como um texto produzido no fogo da luta, entre a clandestinidade, as expropriações e a propaganda armada, a partir da síntese de experiências coletivas e como demanda de um intenso período de resistência revolucionária e repressão brutal, o Minimanual não é uma obra final ou uma teoria político-militar pronta. É muito mais um ponto de partida, que reúne orientações fundamentais para a guerrilha urbana, frente que possuía, na concepção da ALN, apenas um papel tático para criar as condições do trabalho estratégico no campo e possibilitar a formação das colunas guerrilheiras a partir das áreas rurais. O Minimanual teve uma tiragem inicial de 100 cópias mimeografadas, circulou pela rede internacionalista de apoio que a ALN constituiu e exerceu grande influência nos meios revolucionários internacionais nos anos 1970, com versões traduzidas já a partir de 1969 em francês, italiano, espanhol, inglês, alemão, sueco e outras línguas.

A Ação Libertadora Nacional, como resultado da cisão com o colaboracionismo e pacifismo covarde do PCB, foi formada por alguns milhares de militantes entre seus setores de apoio, simpatizantes e bases nas diversas frentes da organização, além de centenas de combatentes com formação político-militar, em todas as regiões do país. Atuando de forma clandestina e com uma lógica compartimentada se organizou inicialmente a partir do Grupo de Trabalho Estratégico, responsável pelo planejamento da guerrilha rural, os Grupos Táticos Armados (GTAs), responsáveis pelas ações armadas nas cidades, e o setor político e de massas, com grupos de ação que faziam o trabalho de massas da Frente de Trabalho Político, e os grupos independentes, que formaram a Rede Logística de Apoio. Antes do seu assassinato na emboscada preparada pelo DOPS em 4 de novembro de 1969, na Alameda Casa Branca, em São Paulo, Marighella havia anunciado o que seria a segunda fase da guerra revolucionária, com o início da luta armada no campo. Concretamente, a estrutura que vinha sendo preparada para o início da guerrilha rural consistia em colunas guerrilheiras móveis com uma média de 50 combatentes cada, que subiriam do Mato Grosso liberando cidades em Goiás, no sul do Pará e na região do Araguaia, no Maranhão. A ALN como formação orgânica temporária deveria se dissolver com as demais organizações guerrilheiras em um exercício de libertação baseado na aliança operária-camponesa, expandindo a guerra revolucionária para a região da Chapada Diamantina na Bahia, o sertão de Minas Gerais, a região indígena de Dourados, hoje no Mato Grosso do Sul, o Vale do Ribeira e a região oeste de São Paulo, além do norte do Paraná. Com a continuidade combinada das ações de guerrilha urbana nas cidades do litoral e no triângulo central do país, onde estava concentrado o aparato burocrático-miliar, a derrota do regime deveria ser inevitável e o povo em armas assumiria o poder, formando um governo popular revolucionário, sob a direção socialista da vanguarda armada.

A morte de Marighella foi uma grande derrota para o processo revolucionário no Brasil. A ALN reorganizada sob a liderança do comandante Toledo, Joaquim Câmara Ferreira, que foi também o principal articulador da Frente Armada Revolucionária, com o capitão Carlos Lamarca, que havia se tornado comandante da VPR e assumido a condição de “inimigo número 1” da ditadura, tentou avançar em um novo projeto comum entre as organizações armadas para o início da guerrilha rural, mas que seria novamente abortado com o assassinato de Câmara Ferreira em 23 de outubro de 1970. A queda de Lamarca no sertão baiano em 17 de setembro de 1971, quanto já havia se transferido da VPR para o MR-8, encerrou também o ciclo de ofensiva da luta armada, com as organizações revolucionárias sob uma brutal repressão lutando heroicamente até 1974, até que a última direção da ALN caiu e as Forças Guerrilheiras do Araguaia, sob o comandado de outro gingante revolucionário baiano, Maurício Grabois, foram dizimadas em sucessivas grandes operações militares do regime fascista dos generais.        

Esta edição especial do Minimanual do Guerrilheiro Urbano se soma a uma série de publicações fundamentais do Editorial Adandé que visam contribuir para a formação de lutadoras e lutadores do povo, aprofundando e conhecendo o legado revolucionário da geração de combatentes que nos antecedeu. Para construir a revolução brasileira e avançar no processo de libertação de nossa gente, é fundamental resgatar e atualizar a estratégia escrita com fogo e sangue pelos heróis do povo brasileiro que ousaram enfrentar de armas na mão um regime brutal, no qual o Estado policial de hoje, necessário para manutenção da exploração e da opressão de nosso povo, tem suas bases.

Reafirmar o Pensamento Marighella e a incontestável referência da Ação Libertadora Nacional são passos necessários em nosso caminho revolucionário, pois como nos ensinou o guerrilheiro carinhosamente chamado de “Preto” pelos seus companheiros e companheiras de organização: “Todos nós, brasileiros, devemos nos preparar para combater, elaborar nossos planos na base de uma luta prolongada. […] Devemos estudar nosso terreno, conhecer os que nos acompanham, fortalecer nossa convicção revolucionária e não querer de nosso lado os vacilantes, os insinceros, os aproveitadores. Revolução é sacrifício, é abandono de comodidades. […] No período anterior de nossa luta, nosso povo foi muito deseducado pela linha pacífica e pela submissão que se pregou abertamente à ideologia da burguesia. Urge corrigir tudo isso. […] É o momento de trabalhar pela base, mais e mais pela base. […] Façamos pequenas tarefas, chamemos os nossos amigos mais dispostos, nossos familiares desejosos de sair da situação de opressão em que vivemos. Tenhamos decisão, mesmo que seja enfrentando a morte. Porque, para viver com dignidade, para conquistar o poder para o povo, para viver em liberdade, construir o socialismo, o progresso, vale mais a disposição de ir até o sacrifício da vida.” (Mensagem sobre o Povo Brasileiro através da Rádio Havana, 1967).  

Movimento de Unidade Popular – MUP, Brasil, novembro de 2021.

* O Movimento de Unidade Popular (MUP) é uma organização popular combativa e revolucionária, baseada na ação direta, na autogestão e na autodefesa do povo pobre e trabalhador. Esta publicação, além da função de formação política, tem também como objetivo apoiar o programa comunitário permanente Favela Viva, uma iniciativa de apoio mútuo e solidariedade popular do MUP para o desenvolvimento de projetos de economia popular, soberania alimentar, comunicação comunitária e educação popular em favelas, bairros populares e comunidades pobres.   

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