Mensagem aos operários do Brasil – Carlos Marighella  

A “Mensagem aos operários do Brasil através da Rádio Havana” de agosto de 1967 faz parte da pesquisa da nova Coleção Pensamento Marighella. Utilizamos como fontes o áudio original da Rádio Havana, além das publicações “Mensagens de Cuba” (1967) e “Carlos Marighella – Textos” (1971), com edições originais publicadas respectivamente pelo Agrupamento Comunista de São Paulo e pela ALN.  

Carlos Marighella, Havana (Cuba), agosto de 1967.

Esta mensagem é para os operários de São Paulo, da Guanabara, Estado do Rio, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, incluindo os trabalhadores das cidades do interior.

Que obtiveram os operários com as eleições realizadas até hoje no Brasil? Muitos foram os líderes burgueses eleitos, entre eles Ademar de Barros, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Carvalho Pinto e tantos outros. A situação dos operários não mudou nada.

O governo de João Goulart, que tinha o propósito de realizar reformas de base, pelo caminho pacífico e eleitoral, foi deposto por um golpe de gorilas, apoiado pelo imperialismo dos Estados Unidos. E com a ditadura militar imperante no Brasil, a despeito de duas eleições já realizadas, ou seja, duas farsas eleitorais, a situação dos trabalhadores não se modificou.

Na América Latina ainda há quem acredite na saída pacífica e eleitoral. E temos um exemplo no Chile, onde o governo das chamadas reformas do Presidente Frei vem se constituindo num fracasso.

Em quem vai o povo confiar para libertar-se? Não pode ser nos líderes burgueses, como Lacerda e outros agentes do imperialismo. Não pode ser na burguesia brasileira, que já fracassou tantas vezes e prefere entregar o país ao imperialismo norte-americano a permitir que o povo chegue ao poder. Não pode ser nas forças armadas convencionais, no Exército ou o que for, pois estas forças são comandadas pelos gorilas e se destinam a reprimir as massas e seus movimentos de protesto.

Outra alternativa é esperar que sindicatos cresçam e se libertem com eleições sindicais, e o movimento grevista tome vulto. Mas como obter a vitória com a greve, mesmo com a greve geral, se os operários não dispõem de forças armadas, e cada greve é reprimida pela polícia e as forças militares da ditadura com uma brutalidade jamais vista?

Em último caso, para impedir que os trabalhadores alcancem o poder através do movimento de massas, as classes dominantes e o imperialismo recorrem ao golpe militar e mantém o controle da situação.

É um círculo vicioso. O movimento de massas avança, em seguida é detido pelo golpe militar. Passa-se algum tempo de ditadura, mais ou menos duradouro, que nada resolve para o povo. Vem a desmoralização dos ditadores. Surgem os líderes burgueses que pleiteiam eleições e democracia para salvar o país (Lacerda, Frente Ampla, etc.). O movimento de massas cresce mais uma vez. Em seguida vem um novo golpe militar e tudo recomeça. É que, por meio de eleições ou pela via pacífica, jamais o povo brasileiro se libertará.

Não há outro caminho para os trabalhadores senão conquistar o poder pela violência e destruir o aparelho burocrático militar do Estado, substituindo-o pelo povo armado.

Lenin afirmou certa vez em O programa militar da revolução proletária: “Uma classe oprimida que não aspirasse a aprender o manejo das armas, a ter armas, essa classe oprimida só mereceria ser tratada como os escravos.”

Os operários brasileiros podem aprender a atirar. Muitos podem capturar armas ou fabricá-las. A indústria paulista não está preparada para converter-se em indústria de fabricação de armas? Os operários, sem os quais a indústria não consegue viver, deverão saber utilizar seus conhecimentos profissionais e seu instinto de classe para o fabrico de armas e munições necessárias ao uso revolucionário.

Cada operário, cada camponês, estudante ou intelectual, cada jovem, cada mulher solteira ou casada, cada homem brasileiro pode ser um soldado da libertação de nosso povo do jugo da ditadura e do domínio do imperialismo norte-americano.

A libertação do Brasil deve ser obra do nosso próprio esforço, do esforço de cada brasileiro. Quem tiver uma arma, quem souber atirar pode unir-se a outro franco atirador brasileiro. Os pequenos grupos armados podem surgir das fábricas, das oficinas ou de quaisquer outros locais de trabalho. Podem surgir dos bairros, das ruas, dos conjuntos residenciais, das favelas, mocambos, malocas e alagados. Podem surgir dos colégios, das escolas, das universidades, das fazendas, das usinas, dos patrimônios, das colônias e concentrações agrícolas, ou dos pequenos povoados, bem como das cidades do interior, dos municípios e seus distritos e vilas. A única condição para que cada um adira a esses grupos é que já venha com a sua arma. Ou que cada grupo então planifique como adquirir ou capturar seu armamento. Comitês volantes podem ser organizados com a mesma finalidade, ou para imprimir e distribuir o material clandestino de propaganda revolucionária, de ensinamento de tiro, de tática de luta armada e de sobrevivência no mato, em face das condições brasileiras. Cada um deve aprender a lutar em sua defesa pessoal, aumentar sua resistência física, saber orientar-se em terra ou no mar, viajar a pé, transpor obstáculos em terrenos acidentados, subir ou descer por escarpas e barrancos.

A ação revolucionária feminina, estudantil ou juvenil pode juntar-se à ação revolucionária operária e camponesa. O importante é começar realizando pequenas ações contra o inimigo. Os que encabeçarem essas ações se revelarão pelos próprios méritos revolucionários, serão os líderes que brotarão, por toda a parte, do seio do povo, quer se trate de homens ou de mulheres. É preciso partir do povo, da base e não da cúpula, partir de um pequeno núcleo inicial de combatentes, sem levar em conta a filiação partidária ou a tendência filosófica de cada um. Basta que estejam convencidos de que a única saída é a luta armada. Daí para o marxismo-leninismo é um passo, pois os princípios dessa teoria são os que orientam o movimento revolucionário da América Latina, e sem eles não se consegue a vitória. É decisivo, portanto, organizar clandestinamente um pequeno número de homens e mulheres, que não temem o sacrifício, tem convicção revolucionária e estão dispostos, mas dispostos mesmo, à luta armada na cidade e no campo.

É evidente que a luta na cidade é um complemento da luta no campo. E no campo a luta só pode ser a guerrilha. Também no campo deve estar a direção da revolução, que somente desempenhará seu papel se o comando político e militar estiver unificado e se qualquer convencionalismo tiver sido abolido. O Brasil é um país cercado das guerrilhas da Bolívia, da Colômbia, da Venezuela, e não pode aspirar a libertar-se senão pela luta guerrilheira.

A importância da ação revolucionária dos operários consiste em que – em sua maior parte – são filhos de camponeses ou vieram do campo e podem ajudar seus irmãos da área rural. Além disso, no Brasil, são muitos os assalariados agrícolas, que constituem uma ponte para os camponeses.

Os operários e operárias das fábricas, os assalariados agrícolas e os trabalhadores dos transportes têm a tarefa de apoiar a guerrilha.

Os revolucionários brasileiros atuando no fundo do país, na montanha, na selva, na planície ou na caatinga, devem contar com o apoio dos revolucionários das cidades. Com os trabalhadores e trabalhadoras incorporados à ação revolucionária, criando a aliança armada operário-camponesa, é possível partir da estaca zero, com os próprios recursos do povo unido e organizado, e derrotar a ditadura e o imperialismo yanque e chegar à conquista do poder.

Da aliança armada de operários e camponeses podemos evoluir para o núcleo de um exército de libertação, à medida que a luta de guerrilhas se desenvolver, fortalecer-se e enraizar-se no campo.

A experiência do Vietnã mostra que com estes princípios se pode obter a vitória. E na América Latina temos o exemplo de Cuba, cuja revolução vitoriosa abriu o caminho à Revolução Latino-Americana.

Hoje, no Brasil, não estamos mais isolados. Não se trata somente de um país, mas de toda a América Latina, com uma estratégia global latino-americana em contraposição à estratégia global do imperialismo dos Estados Unidos. Somos 250 milhões de latino-americanos que aceitamos o desafio do subdesenvolvimento e nos propomos unidos a vencê-lo, derrotando o imperialismo norte-americano e as ditaduras gorilas que servem aos seus interesses, como é o caso do governo de traição nacional de Costa e Silva.

Sem derrotar o imperialismo e os gorilas, é impossível instaurar o socialismo, que constitui o mais alto objetivo de nossa revolução de libertação nacional. E isso corresponde aos ensinamentos da Primeira Conferência Latino-Americana de Solidariedade, quando proclamou:

“Que o conteúdo essencial da revolução na América Latina está em enfrentar o imperialismo e as oligarquias de burgueses e latifundiários. Por conseguinte, o caráter da revolução é o da luta pela independência nacional, a emancipação das oligarquias e o caminho socialista para seu pleno desenvolvimento econômico e social.”

Não é difícil também concluir, como o fez esta Primeira Conferência da OLAS, realizada em Cuba, que se torna imprescindível criar “dois, três, muitos Vietnãs”, para obrigar o imperialismo dos Estados Unidos a dispersar suas forças e a lutar onde não deseja.

Os operários do Brasil têm uma responsabilidade histórica sobre seus ombros na luta contra o imperialismo norte-americano e para alcançarmos o socialismo. Para a frente, portanto: Morrer ou Vencer!

Meu maior desejo é que esta mensagem pudesse ser discutida pelos revolucionários, pelos comunistas, por homens e mulheres do povo, em cada recanto do Brasil onde fosse escutada a voz de Rádio Havana (Cuba).

Fragmentos da versão em áudio da “Mensagem aos operários do Brasil através da Rádio Havana” foram utilizados pelo grupo Racionais MC’s na música e videoclipe “Mil faces de um homem leal (Marighella)”, de 2012. 

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