Anarquismo anticolonial ou anticolonialismo anarquista: diálogos entre Bakunin e Fanon

Ryan Allen Knight*

Falando de esferas sociais bastantes diferentes, qual relação exatamente podem existir os escritos de um anarquista russo de meados do século XIX e os escritos de um psiquiatra anticolonial da metade do século XX? Pode-se entender que as semelhanças seriam simplesmente suas intenções revolucionárias. Porém, quando examinamos as teorias revolucionárias de Mikhail Bakunin e Frantz Fanon podemos observar importantes pensamentos entrecruzados, independentemente do tempo e lugares diferentes de onde escreviam. Isso conduz a acreditar que o anarquismo e as lutas anticoloniais dialogam entre si. Observando conjuntamente as duas obras, é possível compreender melhor a perspectiva de transformação revolucionária de baixo para cima e entender que a revolução não possui necessariamente uma centralidade na classe operária urbana, o que é um debate denso nos meios revolucionários.

É possível explorar essas semelhanças observando a teoria contra a dominação colonial em Frantz Fanon e conjunto de pensamentos sobre a revolução social de Mikhail Bakunin, especialmente quando levado em conta que os dois autores atribuíram uma importância fundamental ao campesinato enquanto força revolucionária, defenderam a violência como meio para a revolução e desconfiavam do papel da burguesia nos processos revolucionários. Ao contrário do marxismo clássico e sua defesa da centralidade da classe operária industrial, que ignora o papel revolucionário de outros sujeitos subalternos, o pensamento anarquista de Bakunin também se refere as questões que envolvem as revoluções anticoloniais, isso porque ele entendeu que também existem relações de dominação e resistência para além do antagonismo entre burguesia e proletariado, que são inerentes ao capitalismo. Mesmo não descartando a importância das contradições entre a burguesia e o proletariado, Bakunin entendeu que existem também outros elementos e sujeitos no processo de construção de uma verdadeira revolução libertária.

Ao mesmo tempo, Fanon ultrapassou a compreensão do marxismo clássico, o que lhe possibilitou enxergar as diversas camadas de dominação e exploração do colonialismo. Fanon não reduziu sua análise apenas aos aspectos da exploração de classe e também observou os elementos da dominação psicológica. Tentou compreender as motivações individuais, as reações internas e o sentimentos gerais que motivaram os povos colonizados durante seus movimentos revolucionários contra o colonialismo.

Examinando os pensamentos de Bakunin e Fanon sobre a transformação e os movimentos revolucionários é importante identificar os diferentes contextos históricos em que estavam inseridos as produções de cada autor, o que torna ainda mais perceptível a semelhança entre o pensamento anticolonial e o anarquista. O pensamento de Bakunin está localizado nos debates antiapitalistas no século XIX na Europa e seus escritos refletem um firme compromisso com o antiautoritarismo tanto dentro do movimento revolucionário, quanto na sociedade de forma geral. Suas formulações sobre o papel do campesinato podem ser encontradas em “Cartas a um francês sobre a crise atual” (1870), onde os pensamentos revolucionários de Bakunin são expostos no contexto da crise francesa vivida em 1870, “O governo de Napoleão III já havia desmoronado e o governo provisório republicano que o sucedeu estava irremediavelmente desmoralizado. Os exércitos franceses estavam em retirada e as tropas prussianas chegaram ao portão de Paris (Dolgoff, 2002:183)”. Para Bakunin, a revolução deveria ir além da luta contra o exército estrangeiro prussiano e defender-se também do poder dos inimigos internos que tentavam avançar na esteira do processo revolucionário.

Frantz Fanon escreveu quase um século mais tarde e esteve envolvido nas lutas anticoloniais da Argélia contra o domínio francês. Em “Os Condenados da Terra” ele discutiu os efeitos psicológicos do colonialismo e os aspectos do enfrentamento à dominação física e mental necessários para derrotar o colonialismo. Mesmo pensando na revolução, Fanon esteve interessado até onde as características e os desenvolvimentos dos processos de descolonização poderiam ser levados. Entendeu que a situação colonial apresentava diversos aspectos diferentes de uma revolução da classe operária industrial, como Marx acreditou. Através deste entendimento, os pensamentos de Fanon sobre a revolução se aproximariam muito mais de Bakunin que de Marx, embora Fanon esteja muito mais frequentemente associado ao pensamento marxista.

O CAMPESINATO COMO SUJEITO REVOLUCIONÁRIO

O que motiva os povos à buscarem uma transformação revolucionária? Quais sujeitos são mais prováveis de serem conduzidos à ação revolucionária? Quais sujeitos sociais precisarão se unir para defender um movimento revolucionário mais abrangente? Essas são questões que continuamente preocupam teóricos e militantes, e as mesmas questões foram abordadas por Bakunin e Fanon, que concordam em muitos aspectos. Diferente de muitos dos pensadores mais influenciados pelo marxismo, tanto Bakunin quanto Fanon concordavam que o campesinato é um sujeito revolucionário. Além disso, os dois teóricos observaram a necessidade de combinar ação do campesinato e da classe operária urbana em uma força revolucionária comum.

Assim como Marx, Bakunin observou o campesinato (particularmente sua cultura) como se estivesse em um estado de “inocência”, intocado pelas relações da industrialização do capitalismo. No entanto, ao contrário do marxismo clássico, que via nisso uma falha no seu potencial revolucionário, Bakunin percebeu que esse estado de “inocência” era revolucionário no sentido em que o trabalhador rural permanecia não contaminado pelos valores da burguesia. Preservando suas tradições rurais, eles não haviam ainda adotado os valores capitalistas da ideologia burguesa. Segundo Bakunin, “poupados da indulgência exagerada e da indolência, e apenas levemente afetados pela influência perniciosa da sociedade burguesa, os camponeses mantêm a sua energia original, sua cultura e seu modo de vida simples” (Dolgoff, 2002: 189), sendo essa energia capaz de permitir e impulsionar um espírito de revolta, favorecido fortemente pela forma de vida tradicional e contrária a intervenção capitalista ou estatal.

Bakunin acreditava que a realidade material e a existência marginalizada dos camponeses iria alimentar o fervor pela mudança revolucionária. Não seria apenas a classe operária industrial que despertaria para a consciência revolucionária, mas também os camponeses pobres. Ele escreve, que “os camponeses se tronam revolucionários pela necessidade, pela intolerável realidade de suas vidas; seus rancores violentos, suas paixões socialistas tem sido exploradas e ilegitimamente desviadas para apoiar os reacionários.” (Dolgoff, 2002: 191). Na tradição do materialismo histórico, Bakunin reconheceu que eram as condições materiais dos camponeses que os conduziria à mudança revolucionária. Eles também experimentavam a miséria e as condições inumanas que foram iniciadas com a propriedade privada e outras características essenciais do capitalismo. De fato, eles também eram uma classe revolucionária.

Embora Bakunin tenha enxergado potencial revolucionário no campesinato, ele reconheceu que os camponeses sozinhos não poderiam realizar uma completa revolução social. Porém, em cooperação com a classe operária urbana, Bakunin percebeu que um movimento verdadeiramente revolucionário poderia ser construído; era a reunião de todos os povos explorados que detinha o potencial para a emancipação. Bakunin identificou as atitudes negativas que esses dois grupos guardavam um contra o outro, e entendeu a necessidade de unificá-los. Por um lado, Bakunin argumentou que os operários urbanos precisavam abandonar uma variedade de preconceitos que guardavam contra os trabalhadores rurais. Bakunin, diz que: “se queremos nos tornar práticos; se, cansados de sonhar acordados, queremos impulsionar a Revolução; devemos antes nos livrar de diversos preconceitos dogmáticos de origem burguesa que infelizmente muitos trabalhadores das cidades ecoam. Porque o trabalhador das cidades é mais instruído que o camponês, ele frequentemente o considera inferior e conversa com ele assim como um burguês arrogante.” (Dolgoff, 2002: 191).

Bakunin argumenta que, adotando muito do complexo de superioridade que a própria burguesia guardava para com os operários, eles consideravam os trabalhadores rurais como sem instrução, e portanto, incapazes de compreender a dinâmica do socialismo. Por outro lado, Bakunin defendia que o campesinato também guardava muitos rancores e desprezo para as classes operárias urbanas, segundo ele: “Os camponeses percebem que são desprezados pelos trabalhadores das cidades, […] que as cidades querem explorá-los e forçá-los a um sistema político que detestam [e] […] os camponeses imaginam que os trabalhadores da cidade favorecerão a coletivização da propriedade e temem que os socialistas venham a confiscar suas terras, as quais eles amam acima de tudo.” (Dolgoff, 2002: 201). Para Bakunin essa hostilidade um contra o outro, da classe operária urbana e do campesinato, criava o mais evidente obstáculo para uma revolução social efetiva.

Com Frantz Fanon, vemos o mesmo entendimento do campesinato como uma força revolucionária, assim como a necessidade de unificar os trabalhadores rurais e urbanos. Muito próximo da maneira de Bakunin, Fanon argumenta que o campesinato, vivendo em áreas rurais com pouco contato com os valores burgueses, mantiveram um compromisso vibrante com seus costumes tradicionais e modos de vida. Fanon diz que “na realidade, a análise racional da sociedade colonizada, se tivesse sido feita, teria demonstrado que os camponeses colonizados vivem num meio tradicional cujas estruturas permanecem intactas, ao passo que nos países industrializados esse meio tradicional foi rachado pelo progresso da industrialização.” (Fanon, 2004: 66). Fanon defendeu que vivendo na periferia da sociedade colonial, os camponeses agarravam-se fortemente a seus modos de vida originais, ao invés de adotar os valores do colonizador. Era a partir de seu distanciamento com a metrópole – o coração do governo colonial – que o campesinato era capaz de manter suas estruturas sociais tradicionais. Segundo ele, “o camponês que não abandona seu lugar defende com obstinação suas tradições e, na sociedade colonizada, representa o elemento disciplinado cuja estrutura social permanece comunitária. (Fanon, 2004: 67). A conservação da comunidade e dos modos de vida tradicionais faziam do campesinato uma força revolucionária mais do que as classes operárias urbanas, as quais estavam em contato permanente com a sociedade colonial.

Muito como Bakunin, Fanon reconheceu que a realidade material da vida dos camponeses era também uma fonte de descontentamento e, com efeito, de consciência revolucionária. Olhando além das condições do trabalhador industrial urbano, Fanon identificou que os trabalhadores camponeses enfrentavam condições tão difíceis quanto, somadas à intromissão da vida industrial nos seus modos de vida tradicionais. Ele escreve, “mas é evidente que nos países coloniais somente o campesinato é revolucionário. Ele não tem nada a perder e tudo a ganhar. O desprivilegiado e faminto camponês é o explorado que muito em breve descobrirá que apenas a violência compensa.” (Fanon, 2004: 23)

É a partir da situação de necessidade e extrema exploração que o campesinato está em posição de dar tudo pela causa da revolução. Observando as relações entre a população urbana e os camponeses rurais, Fanon apontou a necessidade de unidade entre as duas classes exploradas, no lugar da desconfiança e do descontentamento. De uma maneira bastante similar a Bakunin, Fanon assinalou que o campesinato não confiava nas populações urbanas, e que as populações urbanas olhavam para o campesinato de uma maneira negativa. Fanon escreve, “os camponeses desconfiam dos moradores das cidades. Vestido como um europeu, falando sua língua, trabalhando lado a lado com ele, algumas vezes morando na mesma vizinhança, é visto pelo camponês como um renegado que desistiu de tudo que constitui a herança nacional.” (Fanon, 2004: 67)

Os camponeses, enquanto os mais marginalizados das populações colonizadas, olham para os moradores das cidades e para os membros dos partidos nacionalistas como que estivessem adotando os valores do colonizador. Como fortes defensores dos costumes e tradições indígenas, eles se sentem abandonados pelos habitantes das cidades que tem sido assimilados nos modos de vida de seus opressores. Do mesmo modo, essa desconfiança é lançada dos partidos nacionalistas e trabalhadores urbanos sobre o campesinato. Segundo Fanon, “a grande maioria dos partidos nacionalistas consideram as massas rurais com grande suspeita. As massas lhes dão impressão de estar mergulhadas em inércia e esterilidade. Muito rapidamente os membros dos partidos nacionalistas (os trabalhadores urbanos e intelectuais) passam a fazer o mesmo julgamento pejorativo dos camponeses que os colonizadores.” (Fanon, 2004: 65).

Essa desconfiança entre os dois grupos da população colonizada reflete na falta de união em uma força organizada, faceta que permanece essencial para uma derrubada revolucionária bem-sucedida. Os moradores das cidades, vivendo entre os colonizadores e os partidos burgueses, veem os camponeses como atrasados, sem instrução, e como incapazes de compreender os processos e objetivos de uma transformação revolucionária. Tudo isso enquanto o camponês (notáveis defensores de seu modo tradicional de vida) permanecem desconfiados desses moradores urbanos por adotarem o modo de vida de seus opressores originais, os colonizadores.

A VIOLÊNCIA COMO MECANISMO REVOLUCIONÁRIO

Outra importante questão para se examinar é o modo como os dois pensadores olham a questão da violência dentro dos movimentos revolucionários. Embora tanto Bakunin quanto Fanon tenham se demonstrado céticos em relação ao potencial revolucionário prolongado do uso da violência, eles identificaram que a violência é um elemento necessário e inevitável do desenvolvimento revolucionário. Acredito que ambos os pensadores reconheceram na violência um passo lamentável, mas crucial, na destruição radical da sociedade burguesa e/ou colonial.

Bakunin afirmava que essa violência não se daria sem consideração tática ou que seria executada a sangue frio, mas era ao invés disso uma manobra consciente na tarefa da destruição mais abrangente da sociedade burguesa. Bakunin afirma que “no primeiro momento (quando o povo, por razões justas, se voltar contra seus carrascos) a revolução será, muito provavelmente, sangrenta e vingativa. Mas essa fase não durará muito, e jamais degenerará em terrorismo frio, sistemático… será uma guerra, não contra homens particulares, mas principalmente contra as instituições antissociais das quais o seu poder e privilégio dependem.” (Dolgoff, 2002: 100). A violência seria um componente inevitável da revolução, como ação espontânea realizada contra as instituições fundacionais sobre as quais a sociedade burguesa foi construída. Essa violência não seria o coração da revolução, mas desempenharia um importante papel em um momento particular do processo. Bakunin compreendeu que a violência era um componente necessário no que podemos chamar abrangentemente de destruição, e que essa destruição era também um processo criativo. Essa revolta, violenta quando vinculada à propriedade, mas também não-violenta em outras situações é que seria favorável à destruição da ordem burguesa. Essa destruição desmantelaria e eliminaria todas as forças da autoridade e da dominação que estiveram sobrecarregando as massas. Daí em diante, as massas poderiam livre e espontaneamente criar uma nova ordem social. Bakunin escreve que “a revolução exige uma destruição ampla e abrangente, pois é assim, e apenas assim, que novos mundos nascem…” (Dolgoff, 2002: 334). A violência faria parte da destruição geral envolvida em derrubar os velhos sistemas de poder, e permitir que a sociedade seja criada das paixões irrestritas das massas recentemente emancipadas.

Frantz Fanon também reconheceu o papel da violência dentro de seu entendimento dos movimentos revolucionários anticoloniais. Fanon compreendeu que a violência era um processo recíproco na colonização e na descolonização. Ele identificou que a violência extrema cometida pelos colonizadores sobre a população colonizada iria, inevitavelmente, ser refletida na violência realizada pelos próprios povos que eles haviam oprimido, durante o processo de descolonização. Citando um panfleto da Frente de Libertação Nacional da Argélia, dizia que o texto “expressava apenas o que cada argelino sentia mais profundamente: que o colonialismo não era uma máquina capaz de pensamento, um corpo dotado de razão. Ele é a violência em estado bruto, e só pode ceder quando confrontado com uma violência maior.” (Fanon, 2004:23)

Para Fanon, essa violência iria varrer a inferioridade do colonizado e ajudá-lo a recuperar sua identidade e independência. A violência era o único meio pelo qual eles poderiam restaurar sua humanidade e autoconfiança, “ao nível individual, a violência é uma força de limpeza. Ela livra os colonizados de seu complexo de inferioridade, de sua atitude passiva e desesperada. Ela os encoraja e restabelece sua confiança.” (Fanon, 2004: 51). Ele enxergou a violência como um ato que ao mesmo tempo elevava mentalmente aos colonizados, e que era muito provavelmente seu único meio de reação, tendo eles sido continuamente submetidos a ela pelas ações do colonizador.

CONTRA A APROPRIAÇÃO BURGUESA DA REVOLUÇÃO

Finalmente, é importante considerar que Bakunin e Fanon compartilhavam de um receio em relação ao surgimento de elementos burgueses durante e/ou depois da revolução. Embora eles diferissem em suas intenções revolucionárias gerais, compartilhavam uma mesma preocupação quanto ao aparecimento de um grupo ou classe que buscasse se beneficiar dos desenvolvimentos revolucionários. Os dois teóricos tinham em comum a ideia de que a paixão revolucionária pudesse muitas vezes ser enganada e apropriada por aqueles que buscam conseguir poder durante ou após uma situação revolucionária.

Escrevendo a partir da tradição anarquista, Bakunin era profundamente receoso em relação ao retorno de qualquer forma de poder de Estado durante ou após a revolução. Para ele, uma verdadeira revolução popular era uma espontânea e apaixonada ação das massas contra seu inimigo comum. Introduzir qualquer forma de autoridade ou liderança autoritária em um movimento revolucionário esmagaria a rebelião popular que Bakunin claramente defendia, apontando que “o objetivo imediato da revolução, se não o final, é extirpar o princípio da autoridade em todas as suas possíveis manifestações; esse propósito requer a abolição e, se necessário, a destruição violenta do Estado.” (Dolgoff, 2002: 202). Para ele havia a ânsia em muitos dos assim chamados revolucionários de tentar guiar a revolução para seus próprios fins, ou para os fins de sua autoridade governamental. Bakunin identificava que a usurpação do poder do povo para as mãos de um governo significava a total negação da causa revolucionária, e uma completa negação da verdadeira liberdade. Era essencial eliminar as estruturas de autoridade tanto do interior do movimento, como também na construção de uma nova sociedade. Entendia que, caso esses elementos autoritários não fossem eliminados, as mesmas estruturas e ideologias de poder teceriam uma nova estrutura de dominação social. Ao fazê-lo, os usurpadores do poder de Estado iriam rapidamente guiar as instituições em uma direção que os beneficiasse. Assim, a sociedade retornaria ao estado de opressão, dominação e exploração em que consistia a sociedade burguesa.

Fanon discordou de Bakunin nesse ponto. Ele esteve profundamente envolvido em um movimento nacionalista e apontando a necessidade de se criar um novo Estado independente. Contudo, se lermos Fanon com mais cuidado, encontraremos as mesmas advertências contra os desvios surgidos durante e após a situação revolucionária que Bakunin havia considerado. A teoria de Fanon, que esteve baseada no contexto colonial, era marcadamente descrente dos partidos nacionalistas burgueses. Fanon entendia que tendo aprendido os ensinamentos do colonizador e adotado seus valores e maneiras na estrutura societária, os partidos nacionalistas burgueses estavam sujeitos a tomar o papel do colonizador no governo nacional em surgimento. Fanon escreve, “nós veremos, infelizmente, que a burguesia nacional frequentemente se distancia dessa trajetória heroica e positiva, que é ao mesmo tempo justa e produtiva, e opta desavergonhadamente pelo caminho antinacional, e portanto, odioso, de uma burguesia convencional, uma burguesia que é desanimadoramente, ilogicamente e cinicamente antinacional.” (Fanon, 2004: 99)

Fanon afirmou que, durante o período de derrubada colonial, partidos nacionalistas se formariam procurando ciar um movimento nacionalista entre os colonizados. Contudo, ao invés de trabalhar para e com o povo, Fanon advertiu que a burguesia nacionalista estaria muitas vezes ombro a ombro com os colonizadores. Com efeito, a burguesia nacionalista estava propensa a adotar as mesmas estruturas sociais sobre as quais a colonização se apoiava, apenas substituindo o lugar dos antigos opressores no topo da estrutura de poder. Fanon defendia que o interesse dos povos deveria ser a mais importante expressão revolucionária, e não apenas os interesses da burguesia nacional. Ele escreve: “as burguesias nacionais, entretanto, que, região após região, têm pressa de esconder uma considerável soma para si mesmas e estabelecer um sistema nacional de exploração […]. Por isso que devemos entender que a unidade africana só pode ser alcançada sob impulso e através da direção dos povos, isto é, desprezando os interesses da burguesia.” (Fanon, 2004: 110)

De maneira bastante parecida com a de Bakunin, Fanon compreendeu que a revolução devia atender os interesses do povo como um todo, e não aos de uma outra classe emergente ou aos interesses de um partido por exploração. Ele esteve muito receoso da possibilidade dos partidos nacionalistas burgueses usurparem o espírito das massas revolucionárias para perseguir seus próprios fins.

Tendo considerado esses três elementos que aproximam Bakunin e Fanon, é difícil negar as semelhanças nos seus pensamentos, particularmente no que diz respeito à revolução. Acredito que isso tudo é mais interessante porque os dois pensadores muito provavelmente teriam rejeitado os projetos globais um do outro. Bakunin foi um anarquista, defendendo uma sociedade sem Estado, sem autoridade, enquanto Fanon era um nacionalista, defendendo um Estado independente, e muitas vezes rejeitando flagrantemente o anarquismo. Apesar disso, as semelhanças nas maneiras em que os dois abordam a revolução não pode ser negada. Isso leva a acreditar que o anarquismo e as lutas anticoloniais têm algo importante em comum, sendo isto visível nas comparações citadas. Além disso, é fundamental o compartilhar dessas convergências, para unir lutas comuns que podem muitas vezes ser tratadas como opostas ou diferentes uma da outra.

* Ryan Allen Knight é doutor em Ciências Políticas pela University of Hawaii, com graduação e mestrado pela San Francisco State University, concentrando seus estudos em teoria política não-ocidental, povos coloniais, anti-capitalismo e teorias revolucionárias. Este artigo, que disponibilizamos no livro Anarquismo Anticonial pela primeira vez em português, foi gentilmente cedido pelo autor, traduzido e adaptado pelo Coletivo Editoral Adandé para fins desta publicação. Publicado originalmente na revista Theory In Action (Vol. 5, No. 4, Outubro de 2012) do Transformative Studies Institute (TSI) com o título original “Anti-colonial Anarchism, Or Anarchistic Anti-Colonialism: The Similarities in the Revolutionary Theories of Frantz Fanon and Mikhail Bakunin.”

REFERÊNCIAS

Dolgoff, Sam (Org.). Bakunin on Anarchism: selected works by the activist-founder of world anarchism. Montreal, Canada: Black Rose Books, 2002.

Fanon, Frantz. The Wretched of the Earth. New York, NY: Grove Press, 2004.

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