Caminhos da Guerrilha: manual guerrilheiro de Carlos Lamarca  

Documento com orientações sobre guerrilha urbana, comandos de sabotagem, guerrilhas irregulares e missões guerrilheiras, escrito por Carlos Lamarca, assinado como “Cid” e publicado em formato de cartilha pela Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, em outubro de 1969, foi recuperado a partir da fonte original datilografada no Arquivo Brasil Nunca Mais (BNM) e publicado no livro “Lamarca – Ousar Lutar, Ousar Vencer”.     

“Negais vossas ilusões e preparai-vos para a luta.”

                                                      Mao Tsé-tung

 GUERRILHA URBANA

É uma forma de luta tão importante quanto as demais e a que possui maior limitação. Difícil de ser organizada, limitada pelo pequeno número de alvos, e muito dependente dos fluxos e refluxos do processo de luta. Ressente-se tremendamente nos refluxos, tendo de sobreviver cada vez mais premida. É como se tivesse de combater dentro de uma grande ratoeira. A selva de concreto é também uma limitação que condiciona deslocamentos em faixas obrigatórias facilmente bloqueáveis. O seu maior problema na ação é a retirada, sendo este o fator decisivo para a execução de uma missão.

Paulatinamente, a repressão compartimenta a cidade e no processo da luta exercerá um controle rígido da população, chegando ao controle de quarteirão. Nesse processo, a população marginalizada da produção, por não ter emprego, passa a sofrer a repressão violenta e tende também a se empenhar na luta. Não podemos subestimar a repressão no combate urbano em virtude da vitória do povo argelino; as condições eram bem outras.

Logicamente, só terá condições de sobreviver se tiver toda uma fachada legal e o apoio da população. No entanto, não podemos esperar o apoio da população pelo que ainda não existe. Não se ter, ainda, o apoio da população não nega, portanto, esta forma de luta.

Começamos, sem mesmo atentar para isso, a executar ações que podem ser configuradas dentro do quadro de guerrilha urbana. A necessidade de fazer expropriações e as dificuldades cada vez maiores, fizeram com que nos aperfeiçoássemos, embora estejamos ainda num grau bastante inferior ao exigido para ações de guerrilha.

Ressentimo-nos da falta de informações, temos dificuldade para fazer levantamentos – cada vez é mais difícil montar a infraestrutura – a repressão já conhece os métodos que empregamos e possui uma coletânea de informações que os companheiros que fornecem (seja por não suportar as torturas, seja por não dar importância a “pequenas coisas” que pode abrir), além dos documentos que deixamos cair por displicência (como se não soubéssemos toda a extensão da responsabilidade que nos cabe).

Perante a população, aparecemos como irresponsáveis corajosos e assim, longe estamos de conseguir o respeito, a confiança necessária da população para que ela participe. São simplesmente inúteis os documentos de seis meses de baboseira, para ficarmos na mesma situação. Este nosso imobilismo é mesmo uma traição, quando deixamos escapar as situações que, devidamente exploradas, seriam convertidas em propaganda armada.

O quadro geral da situação é desfavorável (não confundir com defensiva estratégica), estamos mesmo na defensiva moral, tememos encaminhar realmente o que já está bem claro. Passamos seis meses negando ações propostas por companheiros, colocamos dificuldades apresentando “algo grande” a fazer. Se temos de executar justiçamentos ou eliminações – que são ações de guerrilha urbana – cumpre-nos começar e não ficarmos à espera de Nixon numa visita ou que um general apareça para tentar impedir a expropriação de um banco.

A) MISSÕES

1. Expropriações

2. Eliminações: a) sistemática (agentes do DOPS, CENIMAR, PE, Polícia Federal, Rádio Patrulha, RUDI, etc.);

b) seletiva (torturadores, encarregados, de PMs, etc.).

3. Destruições

4. Terrorismo: a) repressivo (contra militares); b) educativo (contra exploradores e altas autoridades).

As ações podem ser: rapto, justiçamento, emboscadas, guerra psicológica, etc.

B) BASE 

Assentamo-nos num tripé que, por todos os meios temos de desenvolver: Informações, Levantamento e Infraestrutura. Temos de aperfeiçoar a técnica de infiltração de aliados, para-militantes ou militantes nos diversos órgãos da repressão para termos melhores informações. Os levantamentos possíveis de serem feitos agora devem ser ultimados; depois pode ser muito mais difícil fazê-los. A infraestrutura é nosso ponto sensível, mais e mais precisamos de aliados e, como consequência, temos de procurá-los, dar-lhes assistência política, fazê-los participar – mas acima e antes de tudo, temos de preserva-lhes a segurança, considerarmos traidor quem abrir um aliado para a repressão. O aliado é também a reserva de infraestrutura, ponto de apoio de penetração em diversas camadas, veículo de informações, de infiltração, etc., do que não podemos prescindir.

EXPROPRIAÇÕES

As expropriações têm grande sentido político em si mesmas. Além de suprir necessidades materiais da vanguarda, constituem propaganda armada que devemos explorar devidamente.

ELIMINAÇÕES

A eliminação sistemática causa um impacto enorme nos agentes da repressão que, por autopreservação, passam a negligenciar em suas tarefas, e sempre que possível, se furtam ao “dever”.  Dificulta, ainda, recompletamento de quadros experientes à repressão e a possibilidade de recrutamento dos “melhores” pela diminuição da procura.

A eliminação seletiva, mais difícil de fazer por falta de informações, tem um extraordinário efeito de propaganda. Em Cuba, após a eliminação do primeiro torturador, as torturas aumentaram, e diminuíram quando eliminou-se o terceiro; aqui, pelas dimensões, o número tem de ser maior. No Uruguai, pararam de torturar quando começaram as eliminações de represália pelos Tupa.  

DESTRUIÇÕES

São uma constante na guerrilha urbana. Utiliza-se, inclusive, para proteger a retirada que é o ponto crítico. Visa-se fundamentalmente, alvos militares e os que causam desgaste econômico (em si mesmos, ou que impossibilitam a atividade produtiva).

TERRORISMO

Pode-se executar na justa medida, quando se evita a morte do soldado, caçando como a um animal enraivecido o sargento e o oficial, lacaios conscientes do sistema; atua-se repressivamente onde quer que eles estejam. Se, como disse o Comandante “Che”, fomos ousados à luta, temos de acuar o inimigo também.

Passa a ter um caráter educativo, quando ficar nítido que, quem explora deve morrer, e quem permite que se explore, também morre. Não há por que aceitar o humanismo burguês – as limitações devem ser unicamente de repercussão política (por enquanto) – o humanismo marxista, fundamento na luta de classes, é o único permissível.

EMBOSCADA

Fazemos um destaque à ação de emboscadas para que se configure, desde já, como uma preocupação nossa.

Pode-se montar uma emboscada: quando se dispõe de informações sobre deslocamentos de tropa, ou a forçarmos a isto; quando se dispõe de uma área favorável para nós no itinerário; quando dispomos de efetivo suficiente; quando, fundamentalmente, dispõe-se de vias de retirada (da área favorável) em segurança.

Quanto a informações, cada vez será mais difícil consegui-las. Para forçarmos o inimigo a se deslocar, temos de provocar este deslocamento de tal forma que os agentes que verificam antes a situação se convençam de que é necessário vir tropa.

A área é favorável quando coloca a repressão sob nosso fogo, sem poder nos alcançar ou fugir – obstáculos artificiais ou naturais nos protegem.

Efetivo suficiente para proteger-se da vinda de reforços (que temos de analisar sobre as possibilidades do inimigo) para atuar na zona de aniquilamento e para proteger a retirada. A via de retirada deve possibilitar proteção da observação aérea e bloqueio de vias. Pode-se utilizar também o processo de dispersão, o que deve ser coordenado por um plano minucioso, prevendo-se futura concentração ou contatos. Podemos ainda, quando dispomos de efetivo suficiente, atrair a tropa que virá reforçar e cairá noutra emboscada.

As comunicações exercerão importância vital para a coordenação da ação – e quando possível deve-se ensaiar para que não haja precipitações nem demora. Sinais devem ser convencionados e os responsáveis por sua execução devem situar-se em lugares que se possam ver. Em princípio, as comunicações devem ser dobradas para usar a segunda, se uma falhar.

As emboscadas exigirão do inimigo mais e mais tropas para a proteção de deslocamentos, assim como as destruições imobilizarão efetivos para a guarda de pontos vitais.

Coordenando suas ações com os Comandos de Sabotagem, a Guerrilha Urbana pode montar emboscadas, fustigamento de flanco, assim como interdição de vias de acesso. Os armamentos mais adequados são espingarda de caça, metralhadora de mão, bombas incendiárias, minas e morteiros.

TEMPO

O tempo é o item especial do planejamento de emboscadas, temos que saber:

– Qual tempo necessário para cerrar (chegar na região e entrar em posição);

– Qual tempo mínimo para o inimigo entrar na emboscada (velocidade da tropa a pé, 4 km/h; tropa motorizada: coluna cerrada 40 km/h, coluna aberta 60 km/h)

– Qual o tempo de duração da emboscada;

– Qual o tempo necessário para se retirar (tempo que a cobertura deverá suportar, se não houver obstáculo para impedir a perseguição pelo inimigo);

– Qual o tempo que o inimigo precisa para cerrar reforços.

COMANDOS DE SABOTAGEM

Em áreas periféricas das grandes cidades ou em eixos de comunicação podemos organizar comandos de sabotagem – organismo especial para executar destruições. Sua função primordial é dificultar o movimento das tropas, o escoamento da produção e o fornecimento de energia para as indústrias. Os seus alvos serão: pontes, ferrovias, redes de alta tensão, estação abaixadora de tensão, oleodutos, torres de transmissão, etc.

Tais comandos devem ser organizados fora das cidades, na periferia dos grandes centros, em aparelhos especiais. Estes aparelhos devem permitir acesso em segurança, sem ser visto pela população, por vias não normais – pelo campo, rio, etc. Não serão ligados à população, devendo, entretanto, ter muito boas fachadas.

Atuarão em regiões muito controladas pela repressão, devendo, pois, usar de toda sorte de engenhosidades para passar em bloqueios, ou ter esquemas para evitá-los. Ter esconderijos entre regiões de bloqueio e a área de atuação, para guardar material e armamento, a fim de suportar o vasculhamento de casas que a repressão terá de fazer, e também facilitar a passagem por bloqueio. Aperfeiçoar o método de transporte e passagem de material e armamento é uma necessidade de todos, desde já, mas aos Comandos de Sabotagem, pela prática constante, será exigida também constante evolução.

Usarão nas comunicações, fundamentalmente, de métodos improvisados de sinais em código em locais pré-determinados, evitando o contato pessoal. O “ponto” nessas regiões, para o contato pessoal, praticamente não existe; só é possível dentro de uma sincronização perfeita. Locais para colocação de mensagens cifradas e passagem de material devem ser preparados.

Os maquis, os partisans e os argelinos chegaram à perfeição nesses métodos pela necessidade vital; já estamos atrasados, constatamos pelo que já perdemos. Devemos proceder como se fôssemos enfrentar, a qualquer momento, a pior situação – como se já estivéssemos no clímax das necessidades. Não devemos esperar salto qualitativo da repressão, mas saltar antes e evoluir sempre. Todos os militantes devem estudar as técnicas de vida e trabalho clandestino, para mudarmos a qualidade de nossa prática.

Não se deve confundir Comando de Sabotagem com Guerrilha Urbana. O Comando de Sabotagem age fora da cidade, obrigando a repressão a se dispersar pela periferia, facilitando a Guerrilha Urbana. É erro situar grupos de Guerrilha Urbana na periferia para atuar dentro da cidade, porque se expõem a grandes deslocamentos ou ficam lentos na atuação.

Também é ilusão que o Comando de Sabotagem terá mobilidade tal a tornar-se nacional, em virtude da necessidade de uma infraestrutura firme, bem planejada e preparada de acordo com as missões a executar.

Com a guerrilha irregular vinculada, O Comando de Sabotagem aumenta a área a ser controlada pela repressão, obrigando está a desviar efetivos para a defesa de pontos vitais. O Comando de Sabotagem pode paralisar a produção por muito tempo, afetando a economia e desmoralizando as forças repressivas.

A repressão, no estudo da guerrilha revolucionária, item efetivo, consideram necessários:

a) combate direto à guerrilha (chama de área vermelha) – precisa de 10 combatentes para 1 guerrilheiro – a isto se somam os efetivos de tropa de apoio de fogos (Artilharia e Aviação), apoio logístico e ainda efetivo para o controle da população, além de agentes de informação e organismos policiais;

b) área intermediária entre a guerrilha e os grandes centros urbanos (área amarela) – precisa de 1/60 da população para exercer controle;

c) área urbana – precisa de 1/30 da população.

Considera área vermelha a ocupada por guerrilheiros, área amarela a que está por ser ganha e área verde a que controla.

Ora, não podemos permitir a existência de áreas verdes, temos de atuar em todos os lugares. Temos ainda de considerar que os grandes centros, com seus inúmeros quartéis são verdadeiras bases. Quando a tropa se desloca, a base se transforma em retaguarda e flancos são criados. É claro que a repressão vai rocar tropas a fim de reforçar as unidades de áreas conflagradas – e podemos dificultar esses deslocamentos. Nesse sentido, sim, é válido o afastamento do Comando de Sabotagem de uma área – após atingir vários alvos – para outras áreas, a fim de reforçar nova rocagem de topa.

É necessário, no entanto, que se tenha consciência que a mudança do Comando de Sabotagem demanda tempo para se preparar para atuar – o que taticamente pode não ser vantajoso – mas pode ser estrategicamente. Deverá ser feito um estudo de situação para se decidir no momento adequado, não sendo possível determinar previamente o procedimento correto.

O que tem de ser executado com bastante antecedência (desde já) são os levantamentos dos alvos para a montagem do plano de sabotagem, de acordo com o planejamento geral. Temos de fazer levantamentos de: rede de chegada de energia – torres de transmissão – estações abaixadoras de tensão – pontes – profundidade dos rios. As dimensões do alvo a destruir tem de ser tomadas com antecedência para o cálculo do explosivo – as vias de acesso ao alvo e de retirada – os obstáculos naturais ou artificiais existentes e o equipamento necessário para ultrapassá-los – as consequências da destruição – o tempo necessário para o cumprimento da missão e para se afastar – cobertura necessária – pontos dominantes do terreno – acontecimentos constantes, normais na região do alvo, de dia e a noite: chegada ou saída de carros, caminhões (de que?), etc., trânsito de pessoas ou qualquer outra particularidade. Os levantamentos têm de ser checados posteriormente quanto, principalmente, à vigilância ali exercida, qual o efetivo, localização dos postos, hora de chegada do pessoal que substitui toda a guarda, itinerário que faz; qual a hora de rendição dos postos (substituição da guarda).

Os quadros componentes de um Comando de Sabotagem devem conhecer muito bem explosivos, eletrônicos, topografia, etc. Se possível, devem fazer parte do Comando químicos e técnicos em eletrônica. Devem saber: dirigir auto, caminhão, remar, nadar, mergulhar, andar de bicicleta, a cavalo. Tem de ser versáteis, ter habilidades para superar toda sorte de dificuldades.

Este documento se destina a abrir discussão sobre esse assunto de extraordinária importância que é o Comando de Sabotagem.

GUERRILHAS IRREGULARES

Partindo da penetração em áreas rurais onde existam condições para executarmos trabalho político, poderemos organizar guerrilhas irregulares. O quadro para este trabalho tem de ter excepcional nível ideológico e político, pois ficará isolado com tarefa muito delicada e de excepcional importância. Tem de trabalhar junto com o camponês acordando cedo e trabalhando 10 horas do dia, com qualquer tempo. De preferência, deve ir para a região com a mulher, pois o camponês desconfia do solteiro, acha que procura relacionamento para conquistar-lhe a filha. Tem de assimilar o costume e a moral, enfim, adaptar-se completamente.

Inicialmente o camponês provocará para que o estranho se defina. Desconfia ele, normalmente, de infiltração policial e de estudantes. Submetido às mesmas dificuldades, far-se-á ouvir, dando ao camponês a visão maior do sistema a que está submetido. Primeiro, o quadro tem de se impor pela sinceridade, pontualidade, homem de palavra, por trabalhar bem, pela sinceridade que demonstra. Depois, começa a se comunicar com os que despontam como líderes, aos que se fazem respeitar, aos conselheiros, etc. Quando o quadro procura o relacionamento com os que mais se destacam na região, com os líderes, atuantes ou em potencial, não visa, desde o início, fazer amplo trabalho de massa, mas faz este relacionamento pensando, ou melhor visando, num segundo momento (após o início da luta) quando houver perspectiva real para que o trabalho se estenda. Os melhores da região, já com vivência na luta, integrados numa visão global da luta, saberão conduzir os camponeses da região. Os planos para este segundo momento, para cada região, deverão ser outros, dentro da fase de defensiva passiva. Assim, evita-se o imediatismo inconsequente, o desgaste de forças e organiza-se paulatinamente.

Quando queremos ampliar alguém, falamos muito e não ouvimos. É necessário saber ouvir para conhecer a condição que estes têm da realidade. Atuar a partir daí, da concepção que os mais “avançados” fazem da realidade e das reivindicações específicas, para mostrar as contradições do sistema nas relações locais.

Os camponeses não têm consciência coletivista, normalmente reagem contra a coletivização, devido a seu acentuado espírito crítico – não admitindo ter de conviver com tais e tais indivíduos. Há, ainda, o efeito da propaganda burguesa que apresenta a coletivização como “mistura de famílias, das mulheres inclusive”. Não se deve apresentar a coletivização como solução aos que ainda não têm condições de entendê-la.

É fundamental para o quadro conhecer o passado de luta local e mostrar o que acontece em outras regiões do país (“onde trabalhou e ouviu dos camponeses as histórias de luta” – daí imaginar a fachada de chegada na área). Mostrar a necessidade de mudar, e a impossibilidade de fazer isto sem a luta armada. Se conseguir se fazer entender – e será necessário algum tempo para isso – então o trabalho tenderá a crescer extraordinariamente (o que tem de ser limitado num primeiro momento). Se não conseguir ganhar aqueles melhores, então é necessário sair da área.

Conseguindo-se politizar os melhores, 3 ou 4, mostra-se, em seguida, a importância da área na luta. Dá-se a visão do todo, o que ali é importante se fazer pela luta global. Sentida essa importância, e compreendida a necessidade da luta global e não somente naquela região, passa-se à preparação militar. Ensina-se: como a repressão atua – o manuseio do fuzil e de explosivos – a analisar o terreno para emboscadas ou interdição – a planejar ações de eliminação ou inquietação das tropas – a tática de guerrilhas – normas de segurança – como organizar um grupo, etc.

É necessário atentar bem para o espírito imediatista do camponês. Ao perceber o nosso trabalho, vai praticamente nos desafiar a iniciar a luta “ali mesmo” e logo. O trabalho é lento, metódico, devendo-se, pois, iniciar a implantação nas áreas selecionadas, desde já. É urgente para a Organização escrever um documento sobre o passado de lutas no campo, para informar.

Só se pode fazer guerrilhas irregulares a partir de pequenos grupos clandestinos (da própria massa e não grupos inteiros vinculados à massa), em áreas selecionadas, executando pequenas ações.

Referimo-nos, normalmente, à guerrilha irregular sem compreendermos a sua real importância. Não visa ela tão somente dispersar forças repressivas, mas através do processo lento e contínuo da luta, ir organizando milícias clandestinas. Não confundir, as ações da guerrilha irregular são descontínuas, mas sistemáticas.

A velocidade de transmissão de palavras de ordem no campo é lenta. A dispersão do pessoal e as grandes distâncias dificultam a transmissão havendo, pois, necessidade de planejamento a longo prazo. O cumprimento deste planejamento deve ser rígido, não se pode sair de suas limitações sob pena de comprometer o planejamento global, ou prejudicar outras tarefas. Há, no entanto, que se entender que se circunscrevermos as ações de uma guerrilha irregular a uma pequena área, estaremos dando a repressão dados sobre o seu centro. Se aumentarmos a área de atuação desta guerrilha irregular, haverá dificuldade para o camponês cumprir a missão distante devido: 1 – a necessidade de estar bem cedo no trabalho; 2 – controle da população exercido pela repressão; 3 – controle dos deslocamentos por estrada; 4 – determinação de hora de recolher.

Os depósitos de armamento, munição, explosivo, etc., não podem ser nas imediações das habitações porque a região pode ser vasculhada. Detectores de minas localizam materiais ferrosos enterrados.

A tese de penetração em áreas de grande concentração populacional para a Guerrilha Irregular é errônea. Nessas áreas também o poder da repressão é grande e controlar uma população mais concentrada é mais fácil. Esta tese está ligada à tese de guerra de curta duração ou da insurreição.

Temos de compreender que o processo tem de ser longo, luta sangrenta, com todo o povo em armas (o que não se consegue de hoje para amanhã, apesar das ansiedades). Não aceitamos (nem achamos viável) a guerra de curta duração que tem como consequências a contrarrevolução e inúmeras dificuldades para a construção do Socialismo. A continuação do povo em armas, após a tomada do poder, possibilita a Revolução Cultural, o primeiro passo para a construção do Socialismo. Como fazer uma Revolução Cultural após uma insurreição?

Não podemos esperar as primeiras derrotas para deixarmos de lado o imediatismo. A tarefa de Guerrilhas Irregulares é urgente, exige quadros excepcionais, materiais diversos, planejamentos coordenados no espaço e no tempo, mas fundamentalmente exigirá tempo preenchido com trabalho meticuloso. O que é preciso, desde já, é sairmos do mundo de fantasias, do imobilismo parasita e começarmos a trabalhar mesmo.

A vivência nas áreas de passado de luta e de tensões sociais nos dará conhecimento para aprofundarmos o assunto Guerrilha Irregular. Somos ainda do parecer que as Guerrilhas Irregulares devem ter o seu início coordenado pela Coluna e não antes dela – a não ser que movimentos espontâneos irrompam e os aproveitemos, orientando, organizando. É bom lembrar que a discussão se deve irromper antes ou depois da Coluna não pode impedir o encaminhamento dos trabalhos.

Este documento não pretende ser definitivo, tem por finalidade abrir a discussão (entre uma tarefa e outra). Que os companheiros com experiência no campo contribuam para a análise de características locais e o que há de constante nas diversas regiões do país, dando subsídios pata a formulação técnica. As especificidades locais ou regionais, deverão ser consideradas para a análise da penetração e da tática. Mas é preciso ir lá.

Obs.: Não abordamos o assunto Guerrilha Irregular Vinculada, que terá outras características. Mas, como ainda não está totalmente claro, para nós, toda a sua extensão, não podemos tirar todas as consequências. Já é sentida por todos a sua importância estratégica, faltando ainda a análise dos condicionantes de sua montagem e atuação.

Veja o documento original recuperado para o livro “Lamarca – Ousar Lutar, Ousar Vencer”.

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