Havana, 5 de agosto de 1967*
“JAMAIS DEIXAREI DE SER COMUNISTA, PORÉM NÃO REPRESENTO O COMITÊ CENTRAL.”
Juventud Rebelde: A imprensa do Brasil comenta, de forma insidiosa, sua participação nesta Conferência. O que nos pode dizer a respeito?
Carlos Marighella: Com relação as notícias difundidas pelas agências telegráficas brasileiras, sobre a minha presença em Cuba, devo esclarecer que vim a Havana para assistir a Conferência da OLAS, como convidado. Não sou delegado do CC do Partido Comunista Brasileiro.
Continuo pertencendo ao Partido, pois jamais deixarei de ser comunista, mas não represento o Comitê Central. Já que em 10 de dezembro de 1966, escrevi uma carta à direção, apresentando minha demissão. Esta carta foi lida recentemente em uma transmissão da Rádio Havana para o Brasil.
Os jornais brasileiros afirmam que viajei a Cuba desobedecendo as diretrizes da direção do Partido.
Realmente, vim a Havana sem pedir permissão à direção do Partido, e já o disse, porque a direção do Partido tem posição oportunista e não deseja a luta armada, nem sua preparação e seu desencadeamento. Sabia que em Cuba iria encontrar revolucionários de vários países do continente discutindo na Conferência da OLAS os problemas cruciais da revolução na América Latina.
A direção do Partido Comunista Brasileiro não quer saber da revolução, pois, se estivesse interessada em realizá-la, teria mandado seus delegados à Conferência da OLAS, para participar dos debates e dar suas opiniões.
Juventud Rebelde: São certos os rumores, também divulgados pela imprensa brasileira, de que você faz parte de uma fração do Partido Comunista Brasileiro?
Carlos Marighella: As agências ocidentais, através dos seus telegramas despachados para Havana, noticiam também que várias publicações nos jornais do Brasil se referem à que uma fração do Partido Comunista Brasileiro é favorável à luta armada.
É uma mentira e uma provocação dos jornais do Brasil, ao incluir meu nome e o de outros comunistas como principais membros de uma fração dissidente. Também não dei nenhum empreendimento a nenhuma campanha divisionista no Brasil.
Não teria sentido fazer tal campanha divisionista, porquanto isso seria perder tempo. Aqueles que tem a convicção de que somente luta armada é capaz de resolver os problemas brasileiros, e, de que a questão fundamental é preparar-se para desencadear esta luta, jamais perderão tempo fazendo divisões e fundando um novo Partido Comunista. Também não estou expulso do Partido, como dizem os jornais brasileiros, nem tenho desejo de ser expulso por indisciplina
Seria ridículo que a direção do Partido me expulsasse somente porque sou partidário de fazer a revolução e porque vim a Cuba para expressar a solidariedade do povo brasileiro à Revolução Cubana e à primeira Conferência Latino-Americana de Solidariedade.
No caso de que isso viesse a acontecer, teria de dizer como o camarada Fidel: “A História me absolverá”.
Juventud Rebelde: Como você analisa a situação política atual do Brasil e quais são as perspectivas para a luta armada?
Carlos Marighella: Tenho a dizer que a ditadura militar existente no Brasil, somente poderá ser derrubada pela violência. O Brasil faz parte do plano global de domínio do imperialismo norte-americano e nós latino-americanos temos de nos opor a esse domínio também de uma forma global.
Os chefes militares norte-americanos, os gorilas brasileiros e os demais gorilas latino-americanos, se reúnem em escala continental para planejar a luta contra as guerrilhas e a liberdade de nossos povos.
Tenho a firme convicção de que somente a luta de guerrilhas no continente pode libertar-nos. A guerrilha no Brasil não é uma simples forma de luta, é a própria estratégia da revolução. A revolução brasileira é também a revolução latino-americana, já que temos um inimigo comum: o imperialismo norte-americano.
O caminho da revolução latino-americana já foi aberto pela Revolução Cubana, que, como pioneira da revolução merece nossa primordial solidariedade. Tal solidariedade não pode ser só em palavras. Tem que ser demonstrada com fatos e estes somente poderão realizar-se através da luta de guerrilhas. Queremos ver o imperialismo norte-americano fora da nossa terra. Aspiramos a conquistar o poder político para resolver os problemas do povo e viver em liberdade, para construir o socialismo e o progresso.
O movimento revolucionário brasileiro não está ainda unificado. Para encontrar o caminho da unidade é necessário desencadear a luta armada e esta luta armada é precisamente a luta de guerrilhas. A unidade se vai conseguir a base da luta de guerrilhas, pois, com essa luta, surgirá a vanguarda revolucionária.
O Brasil é hoje um país rodeado pelas guerrilhas da Bolívia, Colômbia e Venezuela, e, nada indica que o povo pode libertar-se sem participar de igual modo nas lutas de guerrilhas.
O povo brasileiro está se preparando para esta luta, baseando-se na aliança armada de operários e camponeses, visando a constituição do núcleo do exército de libertação. Nossa tarefa é lutar, tomar iniciativa, trabalhar pela base, forjando a consciência revolucionária através da própria luta.
Juventud Rebelde: Qual é a sua opinião sobre a Conferência da OLAS?
Carlos Marighella: A Conferência da OLAS é o chamamento mais sério e mais importante para a unidade dos povos latino-americanos, que devem opor uma estratégia global à estratégia global do imperialismo norte-americano.
Nosso apoio a Conferência da OLAS, significa que compreendemos a necessidade da solidariedade dos povos latino-americanos entre si, para a luta armada, e, em especial, para a luta de guerrilhas, como única forma de chegar à libertação nacional de nosso povo.
* Entrevista publicada pelo jornal “Juventud Rebelde” de Havana, Cuba, em 5 de agosto de 1967, com o título “Jamais deixarei de ser comunista, porém não represento o Comitê Central” e apresentada com a seguinte nota: “Essa entrevista, baseou-se na resposta à quatro perguntas formuladas pelo jornalista Pedro Lobaina, que transcrevemos abaixo”. Utilizamos aqui a versão revisada a partir da publicação “Mensagem de Cuba”, editada pelo próprio grupo que deu origem ao Agrupamento Comunista de São Paulo, publicada em formato de brochura, em 1967. A fonte da entrevista é o arquivo do Projeto: Brasil Nunca Mais (BNM), nº 678.