A fundação de um “Exército Vermelho” é o que deseja realizar o grupo de extrema-esquerda em torno de Ulrike Meinhof, que participou da libertação de Baader. As reflexões da jornalista, que é procurada da justiça, foram registradas por meio de um gravador. Der Spiegel publica a seguir trechos não editados que se iniciam pela resposta à pergunta, por que Baader foi libertado?
Pode-se dizer que por três razões. Em primeiro lugar, é claro, porque Andreas Baader é um quadro. E porque de forma alguma podemos nos dar ao luxo de considerar dispensável qualquer um dentre aqueles que agora compreenderam o que deve ser feito e o que é correto.
A segunda coisa é que escolhemos como primeira ação realizar uma libertação de prisioneiro, porque acreditamos que aqueles aos quais queremos esclarecer do que se trata a política hoje são os que não veem absolutamente nenhum problema em se identificar com isso, isto é, com uma libertação de prisioneiro – na medida em que aquelas famílias proletárias, ou a parcela do proletariado, que acreditamos ser potencialmente revolucionária, que essas pessoas não têm nenhuma dificuldade em se identificar com uma libertação de prisioneiro…
A terceira coisa é que, se começamos com uma libertação de prisioneiro, é também para deixar absolutamente claro que estamos falando sério. Isso significa que aqueles que começaram agora a trabalhar e a realizar tais ações são, obviamente, pessoas que não são de forma alguma contra isso; para quem isso não é mesmo nenhuma brincadeira e que, naturalmente, o momento da solidariedade deve se fazer claro desde o início: pois as condições nas quais essas discussões podem ser feitas são obviamente muito difíceis…
A esquerda intelectual em geral rejeitou a ação. Nós entendemos ser bastante claro o fato de que os intelectuais, como iniciadores das discussões políticas, não são de forma alguma dispensáveis. Também é um fato que foram os intelectuais, mesmo na Alemanha e em Berlim, que trouxeram o confronto político ao ponto em que chegamos agora. Contudo, nós vemos também que esses mesmos intelectuais, com seus conceitos teóricos, chegaram ao ponto de considerar que o armamento é indispensável e que a revolução não pode ser realizada sem que os revolucionários se armem; mas que eles são, ao mesmo tempo, pessoas que não darão o próximo passo, aquele que deve ser dado agora – ou seja, que aquilo sobre o que eles falam, também deve se realizar.
Pois toda a experiência demonstra que, embora sejam capazes de reconhecer a situação, eles não são capazes, em razão de sua própria condição de classe, de dar o próximo passo por si próprios, certamente porque, em razão dessa condição de classe, eles têm realmente muito a perder, têm realmente bastante da vida a perder, pois todos e cada um deles, no âmbito de sua existência burguesa, naturalmente possuem uma perspectiva de existência, de forma que, para eles, não existe qualquer razão objetiva para dar um passo adiante – com a exceção daqueles que reconheceram que isso precisa ser feito.
Com o que também está naturalmente dito de forma implícita: é certo que existem determinados indivíduos que dão o passo adiante, pois nossa própria origem é também a origem de intelectuais burgueses. Cremos, contudo, que agora, nessa situação, seja correto apartar-se da autoridade dos intelectuais de esquerda, não mais nos deixarmos determinar por eles, mas sim direcionar o trabalho político atual decididamente para aqueles grupos, ou trabalhar no sentido de organizar aquelas parcelas do proletariado que não apenas estão em condições de reconhecer as necessidades políticas, mas também, em razão de sua condição de classe, estão em condições de tirar dali consequências e entrar em ação.
A principal acusação, e certamente não por acaso, tanto dos intelectuais de esquerda quanto dos jornais burgueses, é a afirmação de que seríamos anarquistas, com o que se almeja colocar-nos ao lado daqueles intelectuais que anteriormente também buscaram provocar determinadas discussões, mas não lograram sair do isolamento. Quando nos chamam de anarquistas é uma tentativa de isolar a ação, de nos isolar, isolar essa forma do confronto político…
Portanto, somos da opinião de que podemos ignorar a crítica intelectual de esquerda à ação, porque estamos nos dirigimos a grupos completamente diferentes. Acreditamos que se deve chegar a uma cooperação política, em termos de organização e relacionada à ação com a parcela do proletariado que não recebe qualquer gratificação nessa sociedade que o explora.
São essas famílias cheias de filhos, são as mulheres que têm o serviço doméstico e as crianças para cuidar e, ao mesmo tempo, devem trabalhar na fábrica. São os jovens proletários, que não possuem qualquer perspectiva, mas que também ainda não têm família, sendo obrigados a adaptar-se. São as pessoas nas áreas de novas construções das grandes cidades…
Estamos partindo do ponto, e isso é algo que mesmo a esquerda, a esquerda intelectual, já compreendeu, que a revolução não será feita por ela, mas sim pelo proletariado; isto é, que nós temos que ir às fábricas, aos bairros, e que a organização tem que acontecer. Mas acreditamos que a organização do proletariado é um engano se não começamos simultaneamente a fazer o que estamos fazendo, isto é, construir o Exército Vermelho; […] se não nos preparamos e, ao mesmo tempo, não criamos as condições necessárias para que possamos enfrentar os combates – em outras palavras, todo o trabalho político ficaria simplesmente sem perspectiva e não poderia ultrapassar algumas reformas, portanto, seria incapaz de alcançar exatamente aquilo que é imprescindível, do contrário, a forma da exploração e da opressão podem apenas ser modificadas; não podemos de forma alguma alcançar aquilo caso não nos dediquemos à organização do proletariado, ao trabalho nas fábricas e mesmo ao armamento nos bairros, o que significa avançar na possibilidade de vencer os combates: os confrontos que virão no momento em que um conglomerado não estiver mais sequer em condições de acabar com uma greve em seu formato de paralisação; quando, naturalmente, a violência do Estado será posta em ação, quando os policiais vierem, e que é um princípio revisionista e puro reformismo quando cremos poder primeiro organizar o proletariado e apenas mais tarde tomar as armas…
Temos um problema, com o qual nos deparamos recorrentemente. É muito claro quando se reporta aos Panteras Negras, que chamam a polícia de porcos, com a palavra em inglês pigs, e nós concordamos com isso e achamos correto. Enquanto o problema sempre aparece quando lidamos aqui com os policiais e se argumenta que, por seu ofício, eles são naturalmente brutais, por seu ofício eles devem bater e atirar e, por seu ofício, eles devem reprimir, mas isso vem apenas do uniforme, e é apenas sua função, enquanto o homem que o traja talvez seja um sujeito bastante em casa.
Mas então, quando se trata de um confronto com os policiais, as pessoas sempre ficam inseguras e, enquanto elas não têm nenhuma dificuldade para aceitar a alcunha que os Panteras dão para os policiais, isto é, a palavra porco, não a utilizam para a polícia que elas próprias encontram na rua, com a qual elas têm que lidar, que as prendem e que as espancam com cassetetes e que, em Berlim, também atiraram de fato.
Isso é um problema, e dizemos com naturalidade que os policiais são porcos, dizemos que os sujeitos nos uniformes são porcos, não são seres humanos, e é dessa forma que devemos nos confrontar com eles. Isso significa que não temos que dialogar com eles e que é um erro sequer discutir com essas pessoas, e que é claro que se pode atirar neles.
Porque não temos o problema de que são seres humanos, na medida em que sua função ou seu trabalho é proteger um sistema criminoso, defender e representar esse sistema criminoso. E quando temos que confrontar eles, dizemos que são criminosos, que são porcos, e então esse é um fronte absolutamente claro. Aqueles que dizem que os policiais não são culpados, que os policiais são, de certa forma, seres humanos, exercem uma função de merda, aqueles que dizem querer abolir o capitalismo e combater o imperialismo, mas que fazem uma distinção entre o sistema que combatem e os policiais que confrontamos – eles claramente não chegam a combater o sistema onde o sistema nos combate. Isso significa mesmo que eles não logram fazer de sua teoria uma práxis, apenas sua teoria está correta. Mas a práxis deve obviamente partir do fato de que combater a polícia, como representante do sistema, é, naturalmente, combater implacavelmente, e, com naturalidade, sem vacilações e sem hesitação.
O que fazemos e simultaneamente queremos demonstrar é isso: o confronto armado é factível, é possível realizar ações nas quais nós podemos vencer e o outro lado sair derrotado. E nas quais é naturalmente importante que eles não nos peguem. Isso faz parte, por assim dizer, do triunfo da história.
Versões da entrevista originalmente em alemão aqui e aqui.