Mineira de Pouso Alegre, Inês Etienne Romeu foi comandante nacional da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR e a única sobrevivente da famigerada Casa da Morte. Última presa política do regime a ser libertada e heroína do povo brasileiro, a “Comandante Leda” foi uma importante dirigente da luta armada contra a ditadura militar fascista no Brasil e nos deixou em 27 de abril de 2015.
Nascida em 18 de dezembro de 1942 (com fontes que também citam sua data de aniversário em 22 de agosto do mesmo ano), Inês Etienne era a sexta de oito irmãos e morou em cidades do interior de Minas até se mudar com a família para Belo Horizonte, onde concluiu seus estudos secundários e participou do grêmio estudantil. Em 1961 ingressou no curso de Sociologia e Política da UFMG e militou no Partido Socialista Brasileiro. Trabalhando no Banco do Estado de Minas Gerais, atuou no Sindicato dos Bancários e se aproximou do PCB. Inês, que havia abandonado o curso em 1963, passa a integrar a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (ORM-POLOP) e após o golpe militar de 1964 volta à universidade para cursar História, período em que também foi dona de um bar progressista frequentado pela esquerda mineira.
Em 1967, após o racha ocorrido no IV Congresso da POLOP, Inês Etienne é uma das fundadoras dos Comandos de Libertação Nacional (COLINA) em Minas Gerais e inicia sua trajetória na esquerda armada usando codinomes como Olga, Tânia, Nádia, Alda e Isabel. Em junho de 1969, os COLINA – quase completamente desmantelados pela repressão – e a VPR, que também havia sido formada por dissidências da POLOP em São Paulo com ex-militares remanescentes do MNR, iniciam o processo de fusão das duas organizações dando origem a Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares). Inês participa da “grande ação”, quando em 18 de julho de 1969 um comando da VAR-Palmares consegue expropriar 2,6 milhões de dólares do cofre do corrupto ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, na casa da família de uma amante do político em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
Em agosto de 1969 tem início o famoso Congresso de Teresópolis da VAR-P, encontro que reuniu pouco mais de 30 delegados e durou inacreditáveis 44 dias, se estendendo até setembro. Mesmo com o clima de confiança na vitória da resistência revolucionária sobre a ditadura, que era admitida naquele momento até pelo próprio imperialismo, os grupos se dividem entre as “Teses sobre a Tática” e as “Teses de Jamil” e a divisão se confirma com o “Racha dos Sete”, setor liderado por Lamarca e Mário Japa que reconstruiria a VPR, a qual depois se juntariam também Juarez Guimarães, Maria do Carmo Brito e Inês Etienne Romeu.
A nova VPR, que passa se coordenar na Frente Armada Revolucionária com a ALN, o MR-8, o PCBR e o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), realiza em 7 de dezembro de 1970 a Operação Joaquim Câmara Ferreira, ação comandada por Lamarca e com participação de Inês, que captura o embaixador suíço Giovanni Bucher. O sequestro dura cerca de 40 dias e tem uma longa negociação, terminando com a troca de 70 presos políticos que partem para o Chile de Salvador Allende
No início de 1971, Inês passa a integrar com Lamarca e Hebert Daniel o Comando Nacional da VPR. A Comandante Leda, como era conhecida pelos combatentes, enfrenta uma situação de crise profunda na organização após a brutal repressão com prisões e mortes de dirigentes. A VPR que havia protagonizado importantes ações armadas, com o campo de treinamento guerrilheiro “Carlos Marighella” no Vale do Ribeira e a captura o cônsul-geral do Japão, Nobuo Okuchi, em março de 1970, em ação coordenada com o MRT e a Resistência Democrática, vive uma grande tensão interna. Um comando batizado em homenagem a Juarez Guimarães de Brito, com a ALN e o MRT, realiza o sequestro do embaixador alemão, Ehrenfried von Holleben, em junho de 1970, e consegue a libertação de 40 presos políticos de diversas organizações que seguem para Argélia. As divergências entre Etienne, o capitão Lamarca e outro comandante, o ex-sargento da Marinha, José Raimundo da Costa, o Moisés, se aprofundam. Não vendo saída, Inês decide abandonar a organização e exilar-se no Chile, entretanto, ao cumprir tarefas que havia assumido antes do desligamento, é capturada por agentes do famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury em 5 de maio de 1971 em São Paulo.
Então com 29 anos, Inês Etienne Romeu é levada para DEOPS, onde sofre as primeiras sessões de tortura e depois é transferida para a Casa da Morte, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Humilhada, estuprada e torturada por longos 96 dias, a Comandante Leda resistiu heroicamente à barbárie institucional com choques elétricos, espancamentos e pau-de-arara, não delatou nenhum de seus companheiros e tentou suicídio algumas vezes. Pesando apenas 32 quilos, foi entregue a uma irmã, em cartas confirmou a infiltração do cabo Anselmo na VPR como “cachorro” de Fleury, mas retornou para o cárcere com uma condenação à prisão perpétua em 1972, sendo libertada somente em 1979 pela lei de Anistia. Em 1981, Inês Etienne fez um longo relato da sua “descida aos infernos” na Casa da Morte em um documento histórico entregue à OAB.
Homenageada diversas vezes no Brasil e no exterior por sua imensa bravura ao enfrentar os carrascos da ditadura militar fascista, em 2003, Inês sofreu um atentado nunca esclarecido na casa onde morava no bairro da Consolação em São Paulo, sendo encontrada caída e ensanguentada, sofrendo um traumatismo craniano que deixou sequelas na sua fala e movimentos. Inês faleceu na manhã de 27 de abril de 2015 enquanto dormia, aos 72 anos, vítima de uma infarto do miocárdio.
Nas palavras de Ivan Seixas, ex-preso político e guerrilheiro do MRT, a “Comandante Leda foi uma mulher impressionante por ter, ao mesmo tempo, determinação na luta e uma incrível delicadeza no trato com seus companheiros. Nunca abandonou a luta e conseguiu localizar o mais secreto centro de torturas e extermínio da ditadura militar. Inês Etienne Romeu é uma daquelas pessoas imprescindíveis, que farão falta ao país”.