Luta Armada e Greve Geral – Fração do Exército Vermelho

Texto publicado como segundo capítulo do documento Über den bewaffneten Kampf in Westeuropa – Rote Armee Fraktion [Sobre a Luta Armada na Europa Ocidental – Fração do Exército Vermelho], originalmente de maio de 1971, traduzido a partir da versão em espanhol publicada como “El moderno estado capitalista y la estrategia de la lucha armada – Fracción del Ejército Rojo”.

Na República Federal da Alemanha e em Berlim Ocidental, estamos testemunhando os esforços de numerosos camaradas para construir partidos proletários revolucionários, para organizar os trabalhadores industriais em suas fábricas de acordo com os princípios bolcheviques e para propagar a revolução socialista entre a classe trabalhadora.

Mas como eles imaginam essa revolução? Qual teoria revolucionária fundamenta seus esforços organizativos? O que dizem aos trabalhadores sobre o provável curso da revolução, sobre o perigo de falsificar os princípios estratégicos e táticos? Qual é a direção que a classe trabalhadora deve tomar para moldar conscientemente o processo revolucionário e liderar a revolução?

Eles dizem aos trabalhadores que o domínio exercido pelo capital deve ser abolido, que a ditadura do proletariado deve ser estabelecida e os meios de produção devem ser colocados sob controle social. Propagam ações de massas, uma organização centralista-democrática de vanguarda do proletariado, uma forma de partido comunista revolucionário, a solidariedade de todos os oprimidos. Mas, o que eles dizem quando os operários perguntam como o aparato opressor do Estado imperialista pode ser derrotado e, finalmente, destruído? Que o poder do capital será derrotado apenas pelas “poderosas manifestações da vontade popular”, pela greve geral e pelas ocupações de fábricas pelos trabalhadores?

Mesmo um partido operário organizado em nível nacional, enraizado nas massas, experiente e treinado segundo os princípios leninistas, não poderá impedir que os poderosos usem a polícia e o exército contra as manifestações e greves para promover um banho de sangue. Não poderá impedir que os quadros revolucionários mais ativos sejam presos aos milhares e jogados em campos de concentração, ou mesmo, que sejam mortos nas ruas. Não será capaz de impedir a derrota da greve geral por conta da fome e do esgotamento das massas. Sofrendo consecutivas derrotas as massas acabarão desacreditadas das lideranças, por haver as conduzidos de forma tão indefesa para o conflito.

 É possível que o poder do Estado burguês seja debilitado pelo avanço do movimento de massas, porém, de forma alguma poderá ser destruído por este caminho. Uma vez que o ímpeto das massas é barrado pela contrarrevolução, o capital sairá ainda mais forte do conflito, estabelecendo uma ditadura fascista e restaurando a “paz industrial” de acordo com os ditames dos patrões. Embora a greve geral paralise a economia de um país industrializado, ela não resolve automaticamente a questão do poder. A própria greve geral também priva o proletariado – muito mais rapidamente, se não houver reservas – da sua base material de existência.

Durante a revolução do Maio francês, um partido revolucionário organizado em nível nacional poderia ter prolongado a greve por mais algumas semanas (na melhor das hipóteses), mas e daí? Mesmo que os comitês operários tivessem “tomado o poder” em todas as cidades, se os comitês de fábrica tivessem organizado a produção para as necessidades do proletariado, o aparelho repressivo da polícia e do exército continuaria sob controle dos poderosos. A teoria da greve geral que conduziria para uma insurreição generalizada, ainda hoje, assombra as mentes de muitos revolucionários como um espectro, permanecendo como um fantasma se a insurreição generalizada não for entendida como o estágio final de uma luta armada prolongada contra o aparelho de opressivo do Estado, que só pode ser gradualmente desgastado, desmoralizado e finalmente destruído por este meio.

Ao contrário dos trabalhadores em greve, um exército que conserva intacto uma forte estrutura de comando e se estende por todo o país, mantêm estoques de suprimentos, armas, munições e equipamentos suficientemente calculados não apenas para conflitos externos, mas também para uma guerra civil. Os meios militares de transporte e comunicação funcionam de forma independente do sistema público de transporte e de comunicação. Uma greve de ferroviários ou dos correios não poderia afetar decisivamente o aparato militar. Além disso, um exército sempre sabe reservar os bens necessários para seu abastecimento, realizar as operações militares necessárias, assim como, iniciar a produção de bens à medida das suas necessidades. O soldado é sempre o último a sofrer com a fome.

Esta posição inicial e estrategicamente desfavorável às lutas de massas, não é em nada novo. No passado, também se levantou a questão acerca das perspectivas da luta armada. Desde que Engels tomou parte ativa na campanha pela Constituição de 1849 [na Alemanha], ele estudou os problemas da guerra em geral e a guerra civil revolucionária em particular.

Em seu “testamento político”, pessimamente utilizado pela social-democracia alemã – no prefácio de “As Lutas de Classes em França de 1848 a 1850” [Die Klassenkämpfe in Frankreich 1848 bis 1850] – Engels explicou que, considerando o avanço da tecnologia militar, “as condições da luta haviam se modificado fundamentalmente” e a “rebelião ao estilo antigo, a luta de rua com barricadas, que até 1848 servia em toda parte para levar à decisão final, tornara-se consideravelmente antiquada”. Engels acreditava haver novas perspectivas com o recrutamento militar universal. Assim escrevendo em “A questão militar prussiana e o partido dos trabalhadores alemães”, em 1865: “Quanto mais trabalhadores treinados no uso de armas, melhor. A conscrição universal é o corolário necessário e natural do sufrágio universal, ela coloca os eleitores na posição de poderem impor suas decisões contra qualquer tentativa de golpe de Estado. O único aspecto da reorganização do exército na Prússia que interessa à classe trabalhadora alemã é a cada vez mais completa implementação do recrutamento universal”.

Não é necessário provar, depois de mais de cem anos de história do movimento operário alemão, que Engels estava errado neste ponto. Mesmo que a pouca confiabilidade de um exército composto pelo recrutamento obrigatório seja óbvia (o que está sendo demostrado novamente pelo exército dos EUA no Vietnã), a especulação sobre a desobediência revolucionária em massa e a confraternização de soldados proletários é apenas um caso raro e excepcional após as catástrofes militares nas guerras entre nações. Numerosas tendências contrariam a mudança de lado do exército no caso de uma guerra civil, incluindo o fato reconhecido por Engels, de que nas revoluções proletárias existe um nível de união popular paras as lutas bem menor que nas revoluções de caráter democrático-burguesa do passado.

No citado prefácio de 1895, Engels escrevia que:“Dificilmente se conseguirá de novo uma revolta com a qual todos os estratos populares simpatizem; na luta de classes, decerto todos os estratos médios jamais se agruparão em torno do proletariado de maneira tão exclusiva que, em comparação, o partido da reação aglomerado em torno da burguesia praticamente desaparece. Portanto, o ‘povo’ sempre aparecerá dividido…”

Após a Revolução Russa de 1905, Lênin se expressou, observando os acontecimentos, no mesmo sentido: “É perfeitamente natural e inevitável que a insurreição assuma as formas mais elevadas e complexas de uma guerra civil prolongada e que abarque todo o país, isto é, de uma luta armada entre duas partes do povo”. (Lênin, em A Guerra de Guerrilhas, 1906).

E estas questões foram confirmadas recentemente pelos eventos do Maio francês. A divisão do povo na revolução proletária é a condição para o avanço da contrarrevolução. Ainda nos tempos da Revolução Russa de 1905, já se organizavam os bandos terroristas fascistas, como as chamadas Centúrias Negras. Lênin nos informa sobre o programa da repressão fascista formulado por Lopukhin, diretor da polícia czarista: “Quando ainda não havia um autêntico movimento revolucionário popular, quando a luta política ainda não conformava um todo com a luta de classes, então bastavam algumas simples medidas policiais, porque se tratava apenas de alguns indivíduos e círculos. Mas contra as classes estas medidas provaram ser ridiculamente impotentes e o grande número de medidas tomadas começou a se tornar um obstáculo ao trabalho da polícia. […] Contra a revolução popular, contra a luta de classes, de nada serve se apoiar apenas na polícia; é necessário ter também o apoio no povo, nas classes. […] É preciso incitar a discórdia nacional, a discórdia racial, recrutando nas fileiras das camadas menos esclarecidas da pequena-burguesia urbana (e mais tarde, é claro, também na rural), para tentar mobilizar e unir todos os elementos reacionários da própria população em defesa do trono, para transformar a luta da polícia contra os círculos em uma luta de uma parte do povo contra a outra. É assim que o governo está fazendo agora…”. (Lênin, em Prólogo ao folheto “Memorandum do diretor do Departamento de Polícia, Lopukhin”, 1905).  

Esta tendência histórica, que decorreu diretamente do desenvolvimento da luta de classes, continuou manifestando-se na atualidade, chegando provisoriamente ao seu estágio mais desenvolvido com os “Camisas Negras” italianos, as Tropas de Assalto (SA) e as Tropas de Proteção (SS) dos nazistas. Para além disso, o terror fascista ainda não significada a forma acabada dessa tendência. Os senhores governantes não aprenderam a lição. Na França, a manifestação de 1 milhão de trabalhadores e estudantes em 13 de maio foi seguida pela “manifestação” de 800.000 elementos burgueses e pequeno-burgueses que declararam sua determinação em defender o sistema capitalista e imediatamente começaram a organizar em todo o país os “Comitês de Defesa da República”.

Depois da experiência histórica, quem se atreveria em negar que os bandos fascistas que operam contra as organizações proletárias podem apoiar de forma muito eficaz o exército e a polícia para esmagar a insurreição através do terror generalizado, dos serviços informação e das provocações?

A pouca confiabilidade de um exército conscrito recrutado entre povo não foi algo que passou despercebido pelos governantes. Considerando a crescente onda revolucionária, há uma tendência notável em todos os países ocidentais industrializados para abolir o recrutamento e estabelecer unidades de elite para combater levantes e ações guerrilheiras, substituindo o soldado proletário pelo assassino profissional, bem equipado e tecnicamente aperfeiçoado. Essas unidades de combate são profundamente imunes às possiblidades de deserção. A fraternidade de um exército profissional com as massas revolucionárias é algo puramente utópico.

Atualmente não é difícil imaginar que as massas proletárias na França e na Itália poderiam tomar o poder através das greves gerais e insurreições. Mas as ações e políticas da casta militar são igualmente fáceis de prever. O general Massu estava prestes a iniciar a fase militar da luta de classes durante os eventos do Maio francês de 1968. Suas unidades blindadas marcharam sobre Paris com os aplausos da imprensa burguesa.

Quando se pensa em revolução, neste caso concreto, deve-se pensar também sobre o que ocorreria se estas unidades de elite, sob o comando do general Massu, fariam contra o proletariado francês. Pode-se alegar que uma intervenção do exército acarretaria em pesados confrontos e um grande número de mortes, mesmo com seções do exército conscrito se recusando a atirar nos trabalhadores. Então os governantes teriam evitado um banho de sangue? Ninguém poderia os acusar de falta de escrúpulos morais. É óbvio que ocasionalmente os poderosos recuam, que fazem concessões, que mudam seus gabinetes, iniciam governos de coalizão com partidos comunistas tradicionais desde que estes respeitem a Constituição burguesa, enfim, recuam diante de situações mais extremas. O motivo desta política flexível demostra também claramente seu limite: é puramente um instinto de autopreservação. O capital dá um passo atrás para absorver o golpe do proletariado e preservar sua força para enfrentá-lo. Mas não vai abdicar do poder. Mesmo com as ocupações de fábricas, a autogestão e a administração proletária, toda iniciativa revolucionária é anulada com a intervenção do exército.

A política militar nesses casos é sempre a mesma: são colocados em pontos estrategicamente importantes as unidades dignas de toda confiança, encarregadas de mostrar a superioridade do aparato repressivo de maneira exemplar. Isso estabiliza as unidades policiais ou militares mais dúbias ou com pouca firmeza e, ao mesmo tempo, faz o proletariado recuar de posições importantes, especialmente nos marcos que, como em toda revolução, servem para orientar o movimento – em Maio de 68 as fábricas de automóveis Renault e Citroën – que são como bandeiras em uma batalha, indicando os sinais de vitória ou de derrota.

Os quadros ativos, os membros dos organismos de gestão proletária que não podem trabalhar na clandestinidade, os dirigentes grevistas ou dos levantes operários são presos aos milhares, jogados em campos de concentração ou fuzilados sob lei marcial. As operações de abastecimento do proletariado são impedidas pelo exército e punidas como pilhagem. O exército se encarrega de distribuir os itens de primeira necessidade à população, com o pretexto de atender as necessidades de forma mais equitativa. Com os programas de ajuda montados pelo capital internacional, o exército muitas vezes consegue distribuir mais e melhores suprimentos.

Por outro lado, os governantes asseguram sua disposição em responder às “legítimas reivindicações dos trabalhadores” uma vez que a ordem seja restaurada. Quanto mais tempo duram os confrontos, maior o perigo de que frações da classe trabalhadora entrem em negociações com os partidos burgueses “para salvar o que pode ser salvo”. A batalha estará perdida.

Quem poderia impedir a marcha das unidades do exército por todo o país? Quem poderia parar os tanques, os helicópteros, as colunas móveis, os esquadrões da morte, os paras, marines, rangers ou como quer que sejam chamados? Os grupos de autodefesa operários mal treinados e inexperientes usando apenas armas leves podem agir contra as delegacias ou os postos avançados do exército? Mesmo que alguns destacamentos regulares do exército passem para o lado da revolução, este potencial seria rapidamente derrotado.

Tudo é muito evidente. Parece, no entanto, que a tendência de fechar os olhos aos termos militares da revolução cresce à medida que o aparato repressivo se especializa na repressão aos distúrbios e insurreições. Dificilmente existe outra explicação para o fato de Mandel, um importante teórico revolucionário da atualidade, ter desenhado uma “tipologia da revolução nos países imperialistas” após as experiências de 1968, cujos elementos estratégicos seriam: “Greve geral… ocupação de fábricas, piquetes cada vez mais massivos e duros, respostas imediatas a qualquer tipo repressão violenta, manifestações de rua que se transformam em conflitos e enfrentamentos constantes com as forças de repressão até o reaparecimento das barricadas…”. (Ernst Mandel, em Lições de Maio de 68, 1968)

Em uma nota de rodapé do seu artigo, Mandel tenta definir seu programa militar em termos concretos, sugerindo que: “Desde o início das ocupações de fábricas, as forças repressivas tentaram recuperar alguns pontos estratégicos ocupados pelos grevistas, como o centro de telecomunicações. Um movimento operário que não fosse tomado desprevenido pelos acontecimentos teria sabido defender estas posições-chave, conquistadas sem nenhuma dificuldade, e a partir destas provocações do poder faria com que as massas fossem aceitando progressivamente a ideia de um armamento defensivo dos piquetes de greve. O ‘medo da guerra civil’ teria sido substituído pela vontade de autodefesa”.

Tais conceitos podem ser adequados para um país onde o exército atire bolas de naftalina. No entanto, qualquer suboficial francês seria capaz de desenvolver de improviso um plano de guerra viável para liquidar estes focos de “resistência militar”. É algo para chorar, o que viria depois de aventuras assim?

Após a derrota militar, os quadros sobreviventes entram em um período de “resistência” na ilegalidade, e se faz uma aliança com todas as forças “antifascistas”, mesmo sendo frações da burguesia. O poder da ditadura fascista diminuirá gradualmente. A “frente única” das forças democráticas entra em cena, possibilitando novamente um ressurgimento político. No entanto, o resultado pode ser apenas o reestabelecimento da “democracia burguesa” – isto é, a formação pré-fascista de uma ditadura velada da burguesia.

Pois é apenas a este preço são possíveis uma frente única e o fim do regime fascista. Somente quando a “democracia burguesa” estiver garantida, o capital se mostrará complacente e disposto a destituir seus governantes fascistas. Se cria um ciclo com as várias formas que o capital exerce seu domínio. A falsa democracia parlamentar é seguida pela ditadura fascista aberta da burguesia, que por sua vez é seguida pela forma parlamentar de governo, etc., até que o proletariado tenha finalmente entendido que a derrota militar do inimigo de classe não pode ser substituída por nenhuma outra forma de luta, por qualquer aliança com outras forças políticas, por qualquer frente única ou popular, pois se deve compreender que todas as outras formas que assume a luta de classes ou as alianças políticas, só possuem valor se servem para apoiar a luta armada. 

Essa é a perspectiva de todos os erros e todas derrotas sangrentas. Isso dificilmente conseguirá convencer os trabalhadores sobre a necessidade e o sentido do seu compromisso com a luta revolucionária. Esses camaradas deveriam ter entendido uma coisa: não é a expectativa certa de derrota, mas apenas a perspectiva de vitória que inspira as massas para as ações revolucionárias. Sem este entusiasmo nenhuma revolução na história da luta de classes triunfou.

Por esta razão, temos “que mostrar às massas populares as perspectivas da vitória nesta guerra, ajudá-las a compreender que as nossas derrotas e dificuldades são temporárias e que, se lutarmos sem fraquejar, a vitória final será sem dúvida nossa”. (Mao Tsé-Tung, em Entrevista com o jornalista James Bertram, 1937)

Isso quer dizer também que mesmo um partido de quadros bem organizado e treinado não será capaz de mobilizar as massas se não for capaz de mostrar ao povo de forma convincente as possibilidades de vitória. Não há truques. As massas, que muitas vezes foram enganadas, iludidas e traídas, são muito críticas a esse respeito.

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