Entrevista de Malcolm X para a revista Young Socialist (Juventude Socialista), realizada em 18 de janeiro de 1965 por Jack Barnes e Barry Sheppard, dois militantes da Young Socialist Alliance (YSA), organização de juventude do Socialist Workers Party (SWP), partido de orientação trotskista dos EUA. A versão final da entrevista transcrita foi aprovada por Malcolm X e publicada após sua morte na edição de março/abril de 1965, Vol. 8, nº 3 (63).
Young Socialist: Que imagem sua tem sido projetada pela imprensa?
Malcolm X: Bem, a imprensa de forma proposital e habilidosa tem me pintado com a imagem de um racista, partidário da supremacista racial e um extremista.
Young Socialist: O que há de errado com essa imagem? O que você realmente defende?
Malcolm X: Em primeiro lugar, não sou racista. Sou contra toda forma de racismo e segregação, qualquer forma de discriminação. Acredito no ser humano, e que todo ser humano deve ser respeitado como tal, independentemente de sua cor.
Young Socialist: Por que você rompeu com a Nação do Islã?
Malcolm X: Eu não rompi, houve uma divisão. A cisão surgiu principalmente porque eles me expulsaram por conta da minha posição intransigente diante de problemas que acredito que deveriam ser resolvidos e que o movimento poderia resolver.
Senti que o movimento estava vacilando em muitas questões. Não se envolveu nas lutas pelos direitos civis ou políticas nas quais nosso povo era confrontado. Tudo o que fez foi enfatizar a importância da reforma moral – não beber, não fumar, não permitir a fornicação e o adultério. Quando descobri que a própria hierarquia não estava praticando o que pregava, ficou claro que essa parte de seu programa não tinha credibilidade alguma.
Portanto, a única maneira de funcionar que seria significativa na comunidade era participando das lutas políticas e econômicas dos negros. E a organização não faria isso porque a postura que teria que tomar seria muito combativa, intransigente e militante, e a hierarquia havia se tornado conservadora. Atuavam principalmente para proteger seus próprios interesses.
Também devo apontar que, embora o movimento muçulmano negro professasse ser um grupo religioso, a religião que adotou – o Islã – não o reconhecia. Então, religiosamente, estava no vazio. E não participava da política, então não era um grupo político. Quando você tem um movimento que não é político nem religioso e não participa da luta pelos direitos civis, como ele pode se chamar? Existe um vazio. Todos estes fatores levaram à minha separação da organização.
Young Socialist: Quais são os objetivos da sua nova organização?
Malcolm X: Existem duas organizações. A Mesquita Mulçumana Inc. que é religiosa. Seu objetivo é criar um ambiente e as possiblidades para que as pessoas interessadas no Islã possam o entender melhor. O objetivo da outra organização, a Organização da Unidade Afro-Americana [OUAA], é criar uma sociedade na qual os 22 milhões de afro-americanos sejam reconhecidos e respeitados como seres humanos, utilizando todos os meios necessários.
Young Socialist: Como você define o nacionalismo negro, com o qual se identifica?
Malcolm X: Eu costumava definir o nacionalismo negro como a ideia de que o homem negro deveria controlar a economia de sua comunidade, as políticas de sua comunidade e assim por diante.
Mas, quando estive na África em maio, em Gana, conversei com o embaixador da Argélia que é um militante decidido e um revolucionário no verdadeiro sentido da palavra (tendo suas credenciais como tal por ter dirigido em seu país uma revolução vitoriosa contra a opressão). Quando falei para ele que minha filosofia política, social e econômica era o nacionalismo negro, ele me perguntou com muita franqueza: “Bem, onde posso me situar nisso?”. Porque ele era branco. Ele era africano, mas era argelino e, sob todas as aparências, era um homem branco. E ele perguntou que se eu definir meu objetivo como a vitória do nacionalismo negro, onde isso o colocaria? Onde isso colocaria os revolucionários no Marrocos, Egito, Iraque, Mauritânia? Então ele me mostrou como estava afastado de verdadeiros revolucionários dedicados a derrubar por todos os meios necessários o sistema de exploração que prevalece neste mundo.
Então, tive que pensar muito e reavaliar minha definição de nacionalismo negro. Podemos resumir a solução para os problemas que nosso povo enfrenta como nacionalismo negro? E se repararem, já não uso a expressão há vários meses. Mas ainda seria difícil dar uma definição específica da filosofia geral que penso ser necessária para a libertação do povo negro neste país.
Young Socialist: É verdade, como se costuma dizer, que você é a favor da violência?
Malcolm X: Não sou a favor da violência. Se pudéssemos obter reconhecimento e respeito ao nosso povo por meios pacíficos, seria melhor. Todos gostariam de alcançar seus objetivos pacificamente. Mas também sou realista. As únicas pessoas neste país que são solicitadas a não serem violentas são os negros. Nunca ouvi ninguém ir à Ku Klux Klan e ensinar-lhes a não-violência, ou à [John] Birch Society e outros elementos de extrema-direita. A não-violência é pregada apenas aos negros americanos, e não concordo com ninguém que queira ensinar a não-violência ao nosso povo até que, ao mesmo tempo, esteja também ensinando nosso inimigo a ser não-violento. Acredito que devemos nos proteger por todos os meios necessários quando somos atacados por racistas.
Young Socialist: O que você acha que é responsável pelo preconceito racial nos EUA?
Malcolm X: A ignorância e a ganância. E um programa habilmente projetado de deseducação que se encaixa muito bem com o sistema norte-americano de exploração e opressão.
Se toda a população norte-americana fosse educada adequadamente – por educação adequada, quero dizer uma imagem verdadeira da história e das contribuições do homem negro – acho que muitos brancos teriam menos sentimentos racistas. Eles teriam mais respeito pelo homem negro como ser humano. Sabendo qual foi a contribuição do homem negro para a ciência e a civilização os sentimentos de superioridade do homem branco seriam pelo menos parcialmente negados. Além disso, o sentimento de inferioridade que o homem negro tem seria substituído por um conhecimento equilibrado de si mesmo. Se sentiria mais como um ser humano. Atuaria mais como um ser humano em uma sociedade de seres humanos.
Portanto, é preciso educação para eliminar tudo isso. E apenas porque existem faculdades e universidades não significa que temos educação. O sistema pedagógico norte-americano é habilmente usado para educar mal.
Young Socialist: Quais foram os momentos mais importantes de sua viagem à África?
Malcolm X: Visitei Egito, Arábia, Kuwait, Líbano, Sudão, Etiópia, Quênia, Tanganica, Zanzibar (atual Tanzânia), Nigéria, Gana, Libéria, Guiné e Argélia. Durante essa viagem, tive entrevistas com o presidente Nasser do Egito, o presidente [Julius] Nyerere da Tanzânia, o presidente Jomo Kenyatta (que era então primeiro-ministro) do Quênia, o primeiro-ministro Milton Obote de Uganda, o presidente Azikiwe da Nigéria e o presidente Sékou Touré da Guiné. Acho que os destaques foram as reuniões que tive com esses líderes porque me deram a oportunidade de conhecer o pensamento deles. Fiquei impressionado com as análises que fizeram do problema e muitas das sugestões que me deram contribuíram imensamente para ampliar minha própria perspectiva.
Young Socialist: Que influência a África revolucionária tem no pensamento do povo negro neste país?
Malcolm X: Toda a influência imaginável. Não se pode separar a combatividade que se mostra no continente africano da combatividade que se mostra aqui mesmo entre os negros norte-americanos. A imagem positiva que está se desenvolvendo dos africanos também está se desenvolvendo nas mentes dos negros norte-americanos e, consequentemente, eles desenvolvem uma imagem mais positiva de si mesmos. Então eles dão passos mais positivos: ações.
Então você não pode separar a revolução africana da consciência do homem negro na América. Nem a colonização da África poderia ser separada da posição servil em que o homem negro neste país se contentou em permanecer por tanto tempo. Desde que a África conquistou sua independência por meio da revolução, você pode notar o aumento do clamor contra a discriminação que apareceu na comunidade negra.
Young Socialist: Como você vê o papel dos EUA no Congo?
Malcolm X: Como criminoso. Provavelmente, não há melhor exemplo de atividade criminosa contra um povo oprimido do que o papel que os EUA têm desempenhado no Congo, através de seus laços com [Moïse Kapenda] Tshombe e os mercenários. Você não pode ignorar o fato de que Tshombe recebe dinheiro dos EUA. O dinheiro que ele usa para contratar esses mercenários – esses assassinos pagos importados da África do Sul – vem dos Estados Unidos. Os pilotos dos aviões que usam foram treinados pelos EUA. As próprias bombas que estão destruindo os corpos de mulheres e crianças vêm dos EUA. Portanto, só posso ver o papel dos Estados Unidos no Congo como um papel criminoso. E acho que as sementes que ele está plantando no Congo, ele terá que colher. As galinhas que ele soltou ali precisam voltar para o poleiro.
Young Socialist: E quanto ao papel dos EUA no Vietnã do Sul?
Malcolm X: A mesma coisa. Mostra a verdadeira ignorância daqueles que controlam a estrutura de poder norte-americana. Se a França, com todos os tipos de armas pesadas, tão profundamente entrincheirada na então chamada Indochina, não poderia ficar lá, não vejo como alguém em sã consciência pode pensar que os EUA podem entrar lá – é impossível. Isso mostra sua ignorância, sua cegueira, sua falta de visão e percepção; e sua derrota completa no Vietnã do Sul é apenas uma questão de tempo.
Young Socialist: O que pensa sobre a iniciativa de estudantes brancos e negros que foram para o Sul [dos EUA] no verão passado e tentaram registrar os negros para votar?
Malcolm X: A tentativa foi boa. Devo dizer que a ideia de registrar os negros no Sul foi boa porque a única força real que um homem pobre pode ter neste país é a da cédula [eleitoral]. Mas não acredito que seja inteligente enviá-los com a recomendação de que sejam não-violentos. Eu concordo com o esforço de registro, mas acho que eles deveriam ter permissão para usar todos os meios à sua disposição para se defender dos ataques da Klan, do Conselho de Cidadãos Brancos e de outros grupos.
Young Socialist: O que você pensa do assassinato dos três jovens ativistas dos direitos civis e o que aconteceu com seus assassinos?
Malcolm X: Isso mostra que a sociedade em que vivemos não é realmente o que ela tenta representar para o resto do mundo. Isso foi assassinato e o governo federal está impotente porque o caso envolve negros. Inclusive os brancos envolvidos estavam ajudando os negros. E nesta sociedade, qualquer coisa que se relacione ou envolva a ajuda aos negros, o governo federal mostra uma incapacidade de funcionar. Mas pode funcionar no Vietnã do Sul, no Congo, em Berlim e em outros lugares onde não tem nenhum direito de estar. Contudo, não pode funcionar no Mississippi.
Young Socialist: Em um discurso recente, você mencionou que conheceu John Lewis, do SNCC, na África. Você sente que os líderes mais jovens e combativos do Sul estão ampliando suas visões sobre a luta em geral?
Malcolm X: Claro. Quando ainda estava na Nação do Islão, eu falava em diversas universidades de brancos e negros. Já sabia em 1961-62 que a geração mais jovem era muito diferente da mais velha e que muitos estudantes eram mais sinceros em sua análise da questão e em seu desejo de ver o problema resolvido. Em países estrangeiros, os estudantes ajudaram a provocar a revolução – foram os estudantes que iniciaram a revolução no Sudão, que derrubaram Syngman Rhee na Coreia [do Sul] e Menderes na Turquia. Os estudantes não param para pensar nas desvantagens que existem contra eles e não se vedem por nenhum preço.
Nos Estados Unidos, os estudantes são conhecidos por se envolverem em situações inusitadas e por suas excentricidades, vendo quantos conseguem entrar em uma cabine telefônica por exemplo, e não por suas ideias políticas revolucionárias ou seu desejo em transformar as condições injustas. Mas alguns estudantes se parecem cada vez mais com seus irmãos de outros países. No entanto, os estudantes foram um pouco enganados a respeito do que se conhece como luta pelos direitos civis (que nunca teve como objetivo resolver o problema). Os estudantes foram convencidos que o problema já havia sido analisado, e por isso não tentaram entender por si mesmos.
Em minha opinião, os estudantes desse país deveriam esquecer a análise que lhes foi apresentada e se reunir para investigar e entender o problema do racismo por eles mesmos, independentemente de políticos e de todas as instituições (que fazem parte da estrutura de poder), então chegariam à conclusões estremecedoras, vendo que nunca seria possível eliminar o racismo neste país enquanto seguirem confiando que o governo possa fazer isso.
O próprio governo federal é tão racista quanto o governo do Mississippi e é ainda mais culpado por perpetuar o sistema racista. No nível federal, eles são mais astutos e mais habilidosos, assim como o FBI é mais habilidoso que a polícia estadual e a polícia estadual é mais habilidosa que a polícia local. O mesmo acontece com os políticos. O político de nível federal é mais esperto em geral que o político de nível local, e quando querem colocar o racismo em prática, fazem de forma mais habilidosa que em nível local.
Young Socialist: Qual é a sua opinião sobre o Partido Democrata?
Malcolm X: O Partido Democrata é responsável pelo racismo que existe neste país, juntamente com o Partido Republicano. Os principais racistas neste país são democratas. [Barry] Goldwater não é o racista principal, ele é um racista, mas não o principal racista. Os racistas que têm influência em Washington são os democratas. Se você verificar, sempre que qualquer tipo de legislação for sugerida para mitigar as injustiças que os negros sofrem neste país, você descobrirá que as pessoas que se alinham contra ela são membros do partido de Lyndon B. Johnson. Os Dixiecrats [segregacionistas sulistas] são democratas. Os Dixiecrats são apenas uma subdivisão do Partido Democrata, e o mesmo homem que manda nos Democratas, manda nos Dixiecrats.
Young Socialist: Que contribuição os jovens, especialmente os estudantes, que estão revoltados com o racismo nesta sociedade, podem dar para a luta do povo negro pela liberdade?
Malcolm X: Os brancos que são sinceros não colaboram em nada entrando em organizações negras e as convertendo em organizações integradas. Os brancos sinceros devem se organizar e buscar uma estratégia para enfrentar o preconceito que existe nas comunidades brancas. É nisso que eles podem atuar de maneira mais inteligente e eficaz, na própria comunidade branca, e isso não foi feito até agora.
Young Socialist: Qual papel a juventude está desempenhando na revolução mundial, e que lições isso pode trazer para a juventude norte-americana?
Malcolm X: Se você se perguntar sobre os prisioneiros capturados pelos soldados norte-americanos no Vietnã do Sul, verá que esses guerrilheiros são pessoas jovens. Alguns deles são apenas crianças ou ainda nem atingiram a adolescência. A maioria são adolescentes. Em todo o mundo é a juventude que está realmente dedicada na luta para eliminar a opressão e a exploração. No Congo, os refugiados apontam que muitos dos revolucionários congoleses são crianças. Na verdade, quando eles fuzilam revolucionários aprisionados, eles atiram em crianças de até sete anos de idade – isso foi relatado na imprensa – pois os revolucionários são crianças e jovens. Nestes países são os jovens que mais rapidamente se identificam com a luta e a necessidade de enfrentar as péssimas condições existentes. E aqui neste país, e digo isso por experiência própria, quando se fala do racismo, da discriminação e da segregação, é a juventude que se sente mais ultrajada, que mais ardentemente deseja acabar com tudo isso.
Acredito que os jovens aqui podem encontrar um exemplo poderoso nos jovens simbas [leões] do Congo e nos jovens combatentes no Vietnã do Sul.
Outro ponto, é que à medida que os povos de pele escura desta terra se tornam independentes, à medida que se desenvolvem e se tornam mais fortes, significa que o período é favorável ao negro norte-americano. Contudo, ainda hoje o negro norte-americano é hospitaleiro, tolerante e amistoso. Mas se ele continuar sendo engando e molestado, se não houver solução para seu problema, acabará completamente desiludido, decepcionado e se desassociará dos interesses da América e dessa sociedade. Muitos já fizeram isso.
Young Socialist: Qual é a sua opinião sobre a luta mundial entre o capitalismo e o socialismo?
Malcolm X: É impossível para o capitalismo sobreviver, principalmente porque o sistema capitalista precisa de sangue para sugar. O capitalismo costumava ser como uma águia, mas agora é mais como um abutre. Costumava ser forte o suficiente para sugar o sangue de qualquer pessoa, fosse ela forte ou não. Mas agora tornou-se mais covarde, como o abutre, e só pode sugar o sangue dos indefesos. À medida que as nações do mundo se libertam, o capitalismo tem menos vítimas, menos sangue para sugar e torna-se cada vez mais fraco. É apenas uma questão de tempo, na minha opinião, até que desmorone completamente.
Young Socialist: Quais são as perspectivas para a luta negra em 1965?
Malcolm X: São sangrentas. Foram sangrentas em 1963, foram sangrentas em 1964, e todas as causas que criaram esse derramamento de sangue ainda permanecem. A Marcha sobre Washington serviu como uma válvula de escape para a frustração que essa atmosfera explosiva produziu. Em 1964, usaram o projeto de lei dos direitos civis como válvula de escape. O que podem usar em 1965? Não existe truque que os políticos possam usar para conter a explosividade que existe aqui mesmo no Harlem.
E olhem para o comissário de polícia de Nova York, Murphy. Ele está aparecendo nas manchetes tentando qualificar como crime agora até mesmo prever que haverá problemas. Isso mostra o nível do pensamento norte-americano. Vai haver uma explosão, mas não se pode falar sobre isso. Todos os ingredientes que produzem explosões existem, mas não fale sobre isso, diz Murphy. É como dizer que 700 milhões de chineses não existem. Esta é a mesma abordagem. O cidadão norte-americano tornou-se tão culpado e cheio de medo que, em vez de encarar a realidade da situação, finge que a situação não existe. Sabemos que neste país é quase um crime dizer que existe um lugar chamado China, a menos que você esteja se referindo àquela pequena ilha chamada Formosa [Taiwan]. Da mesma forma, é quase um crime dizer que a situação do povo no Harlem vai explodir porque a dinamite social que existia no ano passado ainda está aqui.
Então eu acho que 1965 será ainda mais explosivo – mais explosivo do que 1964 e 1963. Não há nada que eles possam fazer para conter o povo. As lideranças negras já não podem controlar o povo. Assim, quando o povo começar a se levantar – e sua explosão é muito justificada – os líderes negros não poderão o conter.