Mensagem ao Movimento Negro – Declaração política do Exército de Libertação Negra (BLA)

Publicamos aqui a primeira parte do documento “Message to the Black Movement – A political Statement from the Black Underground” de 1975, assinado pelo Comitê de Coordenação do Exército de Libertação Negra (BLA), organização revolucionária armada da qual Assata Shakur foi uma proeminente integrante, formado a partir de lutas internas no Partido Pantera Negra (BPP), reunindo também integrantes da Republic of New Afrika (RNA) e do Revolutionary Action Movement (RAM).     

 

INTRODUÇÃO

O que se segue é uma análise política e declaração de posições gerais. Escrevemos estas posições políticas com o intuito de fomentar a perspectiva da Frente Armada, porque sentimos que tal perspectiva é necessária no processo revolucionário total para a libertação do Povo Negro. Trazemos uma posição geral em nossa declaração pública porque somos essencialmente uma frente militar e política, por isso, não faria sentido falar em quaisquer outros termos. Deve se fazer claro que as ações da frente armada vão dirigir-se às especificidades da opressão nacional ao nosso povo. Não queremos que o inimigo tenha uma visão tática no exercício das suas campanhas repressivas, entretanto, desejamos que o movimento de Libertação Negra compreenda o papel correto que a luta armada desempenha na luta dos povos oprimidos e como este papel se apresenta para nós aqui na América do Norte.

A ferramenta de análise aqui aplicada é para nós um melhor desenvolvimento do método materialista histórico, ou seja, o método dialético. Nós não vamos perder o nosso tempo debatendo os valores do marxismo com aqueles que estão emocionalmente ligados aos valores das pessoas brancas e chegam ao ponto da cegueira ideológica. Entendemos o processo da revolução, e fundamental para esse entendimento é este fato: o marxismo é desenvolvido em um nível mais elevado quando é cientificamente adaptado às condições nacionais únicas de um povo, tornando-se completamente uma nova ideologia. Assim foi o caso da China, de Guiné-Bissau, do Vietnã, da Coreia Popular, da República Popular do Congo e muitas outras nações socialistas. Para o Povo Negro aqui na América do Norte a nossa luta não é única, mas é a forma mais sofisticada e avançada de opressão a uma minoria nacional e racial em todo o mundo. Nós somos os verdadeiros escravos do século XX, então utilizar o método dialético, a concepção de luta de classes e libertação nacional, nos permitirá como resultado um desenvolvimento mais amplo do que defendemos aqui. A dialética não é válida apenas para o marxismo, mas para o nacionalismo revolucionário, assim como, também é válida para os conceitos revolucionários do pan-africanismo, essa é verdadeiramente a base teórica para o desenvolvimento de uma cultura negra revolucionária. Todas essas tendências ideológicas vão encontrar sua mais alta expressão, como resposta resultante da forma com a qual o sistema é concebido para garantir a opressão sem igual ao Povo Negro.

No entanto, devemos estar sempre conscientes de que o mesmo processo objetivo é verdadeiro para o refinamento reacionário, como resposta ao avanço da nossa luta. Esta é a unidade dos opostos em luta. Para derrotar o inimigo e tornar seus aliados reacionários impotentes, devemos ter uma perspectiva verdadeiramente revolucionária, pautada pelos conceitos revolucionários da luta de classes. Um movimento sem tal perspectiva não conseguirá derrotar nosso opressor comum. Não temos medo de pessoas brancas controlando o nosso movimento, pois, a nossa formação, as nossas armas e as nossas ideias são construídas com as nossas próprias mãos, nossos esforços e sangue. Com isto em mente, nos dirigimos para movimento de luta pela libertação negra, seus elementos militantes e suas organizações.

Nosso clamor é por unidade, por uma Frente Nacional de Libertação do Povo Negro. Nós precisamos construir para vencer! Nyurba.

UMA ANÁLISE

Vamos começar com o fato básico de que o capitalismo e o imperialismo, como sistema econômico, estão em uma crise profunda, internamente e no exterior. A base desta crise está, é claro, quanto às relações de exploração que o Capital deve manter para funcionar. São essas relações econômicas, sociais e políticas que sinalizam a eventual condenação dos nossos opressores e este sistema de opressão sob o qual todos nós vivemos.

Esta crise do capitalismo é de natureza prolongada. Com isto queremos dizer que a crise é parte de um longo processo de deterioração que está espalhado por um período considerável de tempo. A riqueza material aparente que vemos ao nosso redor em nada contradiz o fato da decadência, da deterioração ou o fato da existência da crise. Na verdade, o excesso de produção e distribuição desigual levam constantemente a um mercado inchado, cortes nos empregos e a todos os males inerentes de uma economia baseada na propriedade privada dos bens socialmente produzidos. Inflação, preços em alta e salários baixos são todos sintomas de uma economia que se baseia principalmente na exploração de classe no país e na dominação nacional dos recursos do Terceiro Mundo.

Os levantes dos povos oprimidos no exterior contribuíram para a crise de todo o mundo ocidental e ameaçam cortar drasticamente os seus recursos essenciais. Temos consciência de que o principal poder econômico e militar do mundo ocidental e os seus círculos dominantes nunca permitirão que o desaparecimento de seu império se dê sem uma luta desesperada. Nós, como o Povo Negro na América do Norte, devemos perceber que buscar a inclusão no sistema socioeconômico que prevalece é suicídio a longo prazo, isso dado que o sistema vigente não pode resistir a histórica evolução mundial, que se opõe à exploração contínua dos EUA, sua dominação racista e subjugação dos povos. Ser enganado e acreditar que “igualdade de oportunidades”, “justiça” e “igualdade social” é o mesmo que o sistema capitalista é um erro grave, com implicações genocidas para todas as pessoas de cor. A nossa primeira obrigação é para com nós mesmos, isso significa que a nossa primeira obrigação é a de assegurar a nossa total libertação dessas forças que nos mantêm oprimidos. Relacionado com essa auto-obrigação (e não distinta dela) está a nossa obrigação para com todos os povos oprimidos do mundo, na luta para nos libertar devemos abolir um sistema que escraviza outros. Isso, em essência, é o nosso dever histórico, nós podemos ou realizá-lo ou traí-lo – mas nós certamente seremos julgados em conformidade com nossos atos pelos povos do mundo.

O Exército de Libertação Negra, como resultado da compreensão da natureza econômica do sistema sob o qual somos forçados a viver, mantém os seguintes princípios:

1. Somos anticapitalistas, anti-imperialistas, antirracistas e antissexistas.

2. Nós temos a necessidade de lutar pela abolição destes sistemas e para a instituição de relações socialistas em que o Povo Negro tem controle total e absoluto sobre o seu próprio destino como nação.

3. Que a fim de abolir os sistemas de opressão, devemos utilizar a ciência da luta de classes, desenvolvendo esta ciência no que se refere à nossa condição nacional única.

VISÕES DA FRENTE ARMADA

Nosso reconhecimento das contradições econômicas do capital de modo algum ofusca as realidades sociais e políticas que agora confrontam-nos e a nossa luta pela Libertação Negra. Ao contrário, ele aumenta e aprofunda a nossa perspectiva e clarifica o papel dialético da luta armada em nosso processo de libertação.

Começamos a reconhecer e analisar essas forças em uma sociedade tecnologicamente avançada e moderna, o que diferencia nossa luta das lutas populares do Terceiro Mundo, bem como favorece a identificação dos fatores comuns a todas as lutas populares, como resultado do imperialismo americano e ocidental. Um desses fatores que difere a nossa luta das outras lutas populares, é a profunda influência da tecnologia em nossa consciência, nas relações sociais e em nosso comportamento. As pessoas que vivem nas sociedades tecnologicamente avançadas do Ocidente foram programadas para perceber as suas necessidades na mesma medida que a tecnologia cria demandas artificiais. Porque a classe trabalhadora não controla essa tecnologia, que tem sido constantemente usada para manipular todos os momentos de sua vida. Os governantes e os donos do atual sistema de exploração nos dizem o que comprar, o que comer, a quem odiar e ao que e quem devemos amar.

A tecnologia no contexto do capitalismo é o meio mais efetivo para que as massas sejam programadas fora da necessidade de liberdade real. Todo um sistema de valores sociais evoluiu para dar suporte a dependência do controle tecnológico do Estado corporativo. Nós não sabemos mais o que é liberdade e o que é autodeterminação. Nós percebemos o papel da competição como sendo algo intrínseco às relações humanas, ao invés de perceber que as pessoas são animais sociais, mais sintonizados com a cooperação do que com a competição. Enquanto destruímos o vigente sistema de opressão, temos que criar novos conceitos e valores, conceitos que existam em oposição dialética aos valores que embasam nossa opressão – ainda mais do que isso, é preciso criar uma nova necessidade dentro de nós mesmos para a liberdade, para que assim possamos usar a tecnologia ao nosso favor. Tal como está agora, o Povo Negro não pode sequer conceber a verdadeira liberdade; temos medo de uma libertação real, porque fomos programados para ter medo pela classe racista e opressora. Ainda mais do que isso, é preciso criar uma nova necessidade dentro de nós mesmos para a liberdade, para que possamos aproveitar a tecnologia em nosso favor. Atualmente, a tecnologia tem sido utilizada para reforçar imensamente o nosso medo dos círculos dominantes. Temos que acabar com essa psicose social.

O BLA empreendeu a luta armada como um meio para que a psicose social do medo, temor e amor por todas as coisas definidas como valorosas pelos brancos sejam expurgadas da mente do nosso povo. Nossa experiência histórica na América do Norte nos mostrou que nós, como povo, sempre sofremos, enquanto os círculos dirigentes racistas nunca sofreram. Vimos ao longo da história, a nossa dor, nosso sangue, fomos vítimas do estupro, da exploração, da pobreza. Nossas famílias foram destroçadas por uma cultura cruel e brutal, nossos jovens assassinados ou socialmente aleijados, nossas mulheres degradadas, nossas vidas sempre à mercê da máquina fria do sonho americano. Temos consciência de que os resultados desta experiência histórica têm causado às pessoas negras o medo do poder da América para a violência racista, e, por outro lado, tem reforçado as atitudes arrogantes e confiantes dos círculos dirigentes racistas. O fato de que a maioria dos brancos que são igualmente oprimidos e explorados não entenderem realmente quem é o seu verdadeiro inimigo, não irá nos impedir de fazer o que deve ser feito para quebrar não só correntes mentais do nosso povo, mas a deles também. Nós, portanto, iremos atuar nos únicos termos em que as classes dominantes entendem: os termos de sangue, seu sangue. A América deve compreender que as pessoas negras não serão as eternas sofredoras, prisioneiras universais, as únicas que podem sentir dor. A violência revolucionária é, portanto, não apenas uma tática de luta, mas sim uma estratégia. A estratégia desenhada para impulsionar o sistema capitalista ainda mais à crise, e, ao mesmo tempo, forçar todos os responsáveis pela opressão a perceber que eles também podem sangrar, eles também podem sentir a nossa dor. Só quando isso for realizado e tivermos a possibilidade de tomar quaisquer decisões justas e igualitárias que será concedido o nosso direito à autodeterminação. Tal como está agora, os poderosos não acreditam que eles podem ser feridos e, portanto, acreditam que qualquer concessão para nossas demandas de libertação é algo ridículo para ser feito. Nosso medo social e psicótico dos círculos dirigentes racistas deve ser purgado também, e só através do desenvolvimento de nossa capacidade de lutar contra o nosso inimigo que conseguiremos que esse medo irracional e reacionário seja erradicado da nossa psique social. A violência revolucionária não é tanto um processo de purificação autônoma, mas um ingrediente necessário para a criação de um quadro psicológico entre as classes dominantes que a nossa libertação deve ser garantida.

Devemos esclarecer o que se entende como violência revolucionária em relação à nossa condição atual, porque muitos em nosso povo acreditam na “lei”, ou, pelo menos, no código de lei do nosso opressor existente. A maioria das pessoas não vê a verdadeira relação entre o desenvolvimento do direito ocidental e o desenvolvimento do capitalismo ocidental; portanto, essas pessoas não podem lidar com a realidade de que a injustiça é parte integrante do sistema vigente. As pessoas não compreendem a função de classe exercida pelos tribunais, pela polícia e por várias instituições relacionadas, com o objetivo de manter a ilusão da democracia norte-americana.

Em uma sociedade como a que existe hoje a lei nunca é imparcial, nunca se divorciou das relações econômicas às quais estão vinculadas. A história mostra claramente que, no curso do desenvolvimento da sociedade ocidental moderna, o código legal sempre se mostrou como o código da classe dominante, feito em leis para reger a todos. Ele é implementado através da criação de órgãos armados “especiais”, que são obrigados a cumprir as leis das classes dominantes. Neste período histórico de desenvolvimento social humano, a função objetiva das “leis” é garantir as condições para a manutenção das classes mais poderosas, sejam econômicas ou políticas. Mas, o que acontece com a lei em uma democracia, especialmente uma que afirma que todos os seus cidadãos possam eleger os seus representantes, que por sua vez podem criar novas leis? Antes de qualquer coisa, devemos salientar que tal democracia não existe na América do Norte. A democracia burguesa, a qual temos, é apenas um meio de controle político designado a subjugar seu povo, de forma a garantir que todas suas razões sejam pautadas a partir da necessidade de manter as relações de exploração capitalista. Assim, a influência da riqueza corporativa sobre a política na democracia burguesa é apenas uma extensão da tradicional influência da propriedade privada e o controle do, assim chamado, processo democrático. A cooptação constante das massas trabalhadoras pelas classes dominantes, juntamente com o seu controle completo da tecnologia, concomitantemente com o seu controle absoluto da informação torna o chamado processo democrático nulo e sem efeito. Em outras palavras, um mero reflexo da organização social das classes dominantes e o reflexo de um determinado arranjo econômico e tecnológico pautado no sistema de valores da burguesia. A organização política das classes ou grupos econômicos mais poderosos nesse arranjo social é o controle de toda a sociedade e seu sistema político por essas classes.  Em suma, o processo democrático sob o capitalismo é apenas um meio pelo qual o capital controla as massas. É um meio de manipulação das massas, projetado para manter as classes exploradas politicamente impotentes, ao mesmo tempo que promove a ilusão de que o poder real pode ser adquirido através de um processo eleitoral. O Povo Negro sabe bem, em uma nação baseada no falso princípio da regra da maioria, somos uma minoria marginal e, portanto, o nosso direito à autodeterminação não pode ser ganho na arena de nosso opressor.

A rejeição ao reformismo, no entanto, é muito mais profunda do que as razões citadas. Porque, se o reformismo é uma rejeição de qualquer transformação estrutural, é também uma rejeição da violência revolucionária, e, portanto, o reformismo é uma ignorância funcional da dinâmica da libertação do Povo Negro. Isso ocorre porque a base do reformismo se dá na colaboração de classe com o nosso inimigo, sem nenhuma consideração de princípios. Os ideais de colaboração de classe não visam uma oposição à opressão do nosso povo, mas uma forma consistente de reformar o sistema opressivo. A reforma do sistema opressivo jamais pode beneficiar suas vítimas, em última análise, o sistema de opressão foi criado para garantir o controle pelas classes racistas e santificar seu capital. Para buscar as reformas devemos, portanto, inevitavelmente reconhecer as leis de nosso opressor como sendo leis válidas.

Aqueles dentro do movimento que condenam a violência revolucionária de grupos negros revolucionários nacionalistas, anticapitalistas e anti-imperialistas, estão, em essência, enfraquecendo-se. Esses tolos não entendem a necessidade interativa da violência revolucionária com outras formas de luta e como eles não entendem a dinâmica real envolvida, inibem seriamente o desenvolvimento do movimento de libertação como um todo. Estes reformistas em trajes liberacionistas devem entender que a menos que o movimento cultive a sua capacidade de lutar contra o inimigo em todas as frentes, nenhuma frente vai garantir qualquer vitória real. É uma ignorância abissal imaginar nossa opressão em quaisquer outros termos que não seja de uma guerra não declarada.

Como o movimento como um todo será capaz de lutar contra o opressor no futuro, quando todos os outros métodos “legais” estiverem completamente esgotados? Como vamos implementar a luta política sem o maquinário e a capacidade para a violência revolucionária, quando, é claro que o nosso opressor mantém órgãos armados de violência para impor o cumprimento de suas regras? Nós, como um movimento, não seremos capazes de lutar no futuro, se não desenvolvermos a capacidade para a violência revolucionária no presente. Mas a violência revolucionária não é uma alternativa ao movimento e organização de massas, a violência revolucionária é complementar à luta de massas, é outra frente no processo total de libertação. Aqueles que colocam a questão da violência revolucionária em termos “alternativos” são culpados de políticas defeituosas na pior das hipóteses. Os envolvidos no processo revolucionário completo, mas que afirmam não “endossar” a violência revolucionária quando ocorre, estão tentando “legitimar” a sua existência, em detrimento de toda a luta. A única “legitimidade” que essas pessoas podem, eventualmente, estar buscando nesses casos é a legitimidade burguesa. Este tipo de pessoa ajuda a confundir ainda mais as massas, a violência revolucionária não é devidamente clarificada e expandida quanto ao seu papel de minar a dependência psicológica das pessoas negras que ainda creem numa “legalidade” racista e reacionária. Este é o mais vil dos pecados, aquele pelo qual todos vão pagar durante a repressão intensificada.

Por isso, não vemos a “lei” dos nossos inimigos de classe como válida, não nos sentimos restritos às suas leis. Por outro lado, entendemos o valor “tático” de usar a lei e, consequentemente, nós entendemos o valor tático das reformas no processo de libertação. Por exemplo, controle escolar por parte dos líderes comunitários, greve de aluguel organizada por inquilinos, tomada de sindicatos por grupos dissidentes, etc., ou seja, utilizar o sistema para construir garantias e alcançar determinados objetivos que colocam o inimigo em desvantagem temporária. Mas mantemos o valor tático do reformismo apenas quando não existem outras formas de luta revolucionária contra o conjunto da estrutura capitalista. As reformas, em si, são intrinsecamente reacionárias e perpetuam a dependência psicológica para com o inimigo, enquanto favorece a confusão de quais são as verdadeiras contradições de classe entre nós e o inimigo. Considerando esses fatores, afirmamos que as reformas nunca podem ser nada mais do que uma tática, nunca uma estratégia completa, pois não oferecem em si mesmo qualquer mudança revolucionária. Embora possam oferecer recompensas para a burguesia negra, nunca poderá ser o caminho para a autodeterminação de todo o Povo Negro.

Nós também condenamos fortemente aqueles que afirmam ser progressistas, porém depreciam a violência revolucionária de um povo oprimido em sua luta pela libertação. Não podem haver condições para a luta pela liberdade dos oprimidos, exceto as estabelecidas por eles mesmos. Aqueles que afirmam que a violência revolucionária dá ao inimigo a oportunidade de reprimir o movimento, em geral, estão profundamente enganados se pensam que o governo reacionário necessita de tais desculpas para a repressão, ou que o governo não reconhece o verdadeiro perigo em permitir que um movimento desenvolva a plena capacidade para travar a luta armada. O BLA, juntamente com outros camaradas na clandestinidade, empreendeu a tarefa de construir essa capacidade de luta armada.

PORQUE CONSTRUIR UMA FRENTE ARMADA?

Optamos por construir a frente armada, uma frente de guerrilha urbana, não como uma alternativa à organização de massas do Povo Negro, mas porque o movimento de libertação como um todo deve preparar formações armadas em cada etapa de sua luta. A incapacidade de construir essas formações armadas pode ser fatal, tanto para a luta, quanto para o Povo Negro.

Nosso objetivo ou estratégia final neste momento ao criar o aparelho da violência revolucionária é enfraquecer o Estado capitalista inimigo, criando ao mesmo tempo condições subjetivas e objetivas para a formação de uma Frente Nacional de Libertação Negra composta de muitos revolucionários, progressistas e grupos nacionalistas. Neste mesmo processo, criar o núcleo dos órgãos armados clandestinos que tal frente precisaria, a fim de desempenhar as suas funções políticas. Estas são as grandes razões para a nossa devoção à luta armada. O fato da não existência de tal frente a nível nacional agora, de forma alguma exclui o fato de que no futuro a criação de uma não seja necessária (com as contradições da sociedade capitalista haverá o aumento da repressão, do racismo e da deterioração social). Somos da opinião de que as condições subjetivas ainda não estão maduras para tal unidade, necessária à frente nacional.

Por causa das condições objetivas, ou seja, a atividade inimiga e ao baixo grau relativo de unidade no seio da luta do Povo Negro, decidimos construir o aparelho separado e distinto organizacionalmente de todos os outros grupos de massa. Esta é uma necessidade tática, mas esta necessidade tática, faz-se notar, contradiz a nossa estratégia de articular todos os grupos do movimento de Libertação Negra para formar uma frente unida nacional, com o princípio da ação armada como uma das muitas formas “legítimas” de diretiva política.

Atualmente, as contradições que quaisquer atividades do BLA podem causar não são para ser evitadas. Todo progressista deve acolher a existência e o desenvolvimento das contradições, pois é através do desenvolvimento das contradições que todos nós vamos avançar. Cada irmão, cada irmã que apoia a libertação do Povo Negro, pode e deve apoiar a luta em todas as frentes. E devem esclarecer ao nosso povo o significado dos atos de violência revolucionária cometido contra nossos opressores comuns e os inimigos de classe de todas as cores. Isto significa que a violência revolucionária deve ser apoiada por aqueles no movimento em todos os níveis. Enquanto esse apoio possa ser difícil no início, condições objetivas e o tempo irão remover grande parte da dificuldade, principalmente a miopia ideológica, para começar. Sabemos pela experiência que, devido à natureza de classe da nossa luta e seu aspecto racial, muitas de nossas ações podem muito bem ser tática puramente psicológica de natureza militar, e por causa disso, a clareza do significado político da ação pode parecer bastante nebulosa. No entanto, pretendemos esclarecer todos os atos de violência revolucionária e aceitar a responsabilidade por estes atos. O fator relevante, porém, é que o movimento progressista, o movimento de libertação, os companheiros em todos os níveis de luta devem entender que não apoiar a frente armada de guerrilha urbana (militarmente e politicamente) é uma falta de apoio frente às massas, é um fracasso no apoio às pressões “legais” da nossa luta para os “direitos civis”, e, em última análise, uma abdicação de responsabilidade. A covardia pode ser entendida, mas não o oportunismo e a abdicação do compromisso com a nossa total libertação.

CLASSE E RACISMO

Nosso reconhecimento da natureza classista da nossa luta nos levou a algumas conclusões objetivas, amplamente apoiadas nas condições reais. Temos já há algum tempo observado como a influência de determinados valores de classe determinam como se age ou se reage na sociedade. Temos observado as diferenças de classe entre a maioria da população branca nos Estados Unidos, bem como a reflexão destas diferenças entre as pessoas negras. Como já tínhamos dito anos antes, a diferença de classe entre as pessoas negras é refletida principalmente em diferenças na consciência, atitudes e comportamentos, mas ao contrário da diferença de classe entre os brancos, a renda ou a posição econômica não é o determinante principal. Isso porque a esmagadora maioria dos negros (com exceção de bem poucos) são essencialmente da mesma classe econômica, e sofrem essencialmente a mesma relação com as forças produtivas do capital.

Apesar deste fato, a diferença de consciência e de atitudes são reais e, portanto, devem ser tratadas como se essas atitudes sejam originadas da distinção de classes econômicas. A realidade do nosso povo nos diz que não só existem inimigos negros entre o Povo Negro, mas que esses inimigos negros são, antes de mais nada, inimigos de classe na nossa luta pela libertação.  São seus valores de classe, ideias e ideais de classe que os fazem o que são, juntamente com o fato de que esses inimigos de pele negra podem se esconder entre nosso povo, espalhando suas diversas filosofias reacionárias de gradualismo liberal, capitalismo negro, “integração”, nacionalismo cultural, reformismo, etc.

As razões pelas quais estes inimigos de classe de pele negra encontram aceitação são muitas. A primeira e mais importante razão é a nossa psicologia social única, ou, a nossa resposta emocional ao racismo. Este reflexo tem nos condicionado a pensar em termos de cor primeiro (tal como brancos foram programados para ver a cor como um fator determinante), e quando tal pensamento torna-se culturalmente comum em nosso meio, estamos vulneráveis a infiltração de inimigos negros em nossa luta como classe. Temos a tendência de culpar a cor e não os valores de classe de nosso opressor quando somos traídos ou explorados por um de nosso próprio povo. Assim, quando uma pessoa negra nos trai ou nos fere nós dizemos: “esse negro não vale nada”, o que também indica um grande ódio próprio e/ou autopiedade; em vez disso, o que devemos dizer é que “negros de certa classe não valem nada”.

Por que devemos ter essa perspectiva de classe e nos manter vigilantes para descartar lacaios das classes opressoras? A primeira razão é que, em uma sociedade de classes, tais como a que sofremos o jugo, cada marca de pensamento, todas as formas de comportamento são carimbadas com a marca de uma determinada classe dominante. Isso tem um profundo significado para nós, pois a classe dominante deste país é a classe branca e a imposição de sua cultura racista. Nós, como negros refletimos em nosso pensamento os valores e as ideias dessa classe dominante, bem como a resposta defensiva ao seu racismo sociocultural presente em seu sistema de governo. Por estas razões somos vulneráveis, podemos facilmente ser enganados, abusados e manipulados. Nós nos tornamos alvos fáceis para os estratagemas racistas do nosso inimigo coletivo. O inimigo pode usar a cor da pele para nos confundir e pensar que se atacarmos outro negro estamos necessariamente atacando a nós mesmos; quando pode muito bem ser o contrário, pois estamos atacando o inimigo. É a nossa vantagem de ter uma visão clara dos princípios de classe. É uma desvantagem aos opressores se somos indivíduos com consciência dos princípios de classe, que se opõem à colaboração de classes sem ser pautada em princípios mútuos.

Se olharmos para a maioria das organizações atuantes hoje, suas filosofias, liderança e métodos de luta, vamos ver o reflexo de certos ideais, ideias e valores de classe. A esmagadora maioria destes grupos refletem os objetivos de uma determinada classe de pessoas negras. Sem uma perspectiva classista revolucionária, nós, que estamos lutando para conseguir a libertação total das forças que escravizam a todo o nosso povo, não seremos capazes de distinguir os verdadeiros amigos dos verdadeiros inimigos, aqueles que estão confusos e aqueles que são ferramentas conscientes do opressor, e não vamos ser capazes de cooptar possíveis aliados à causa da libertação do Povo Negro.

Isto nos traz para o papel dialético da cultura, para entendermos que como membros de uma sociedade de classes (ou vítimas) todos somos influenciados pelas perspectivas de classe da sociedade, e para o Povo Negro isto significa que os valores, normas, etc. vigentes são os das classes dominantes racistas, então temos de entender qual a ferramenta pela qual estamos programados para estas perspectivas de classe. E a cultura é a ferramenta. Nós vemos a cultura como o meio pelo qual a classe dominante programa toda a sociedade a seguir seus ideais, valores e normas de classe, perpetuando assim a sua posição dominante. Esta função objetiva da cultura de classe não deve nos levar à conclusão errada de que se adotarmos uma orientação “cultural” em nossa luta de libertação, seria o suficiente. Esta é a visão essencial dos nacionalistas culturais que orientam tudo em torno da cultura e tal visão é incorreta. Porque ela não lida com o aspecto econômico, classista e de base psicológica da luta entre duas entidades culturais opostas. A cultura reacionária dominante deve ser destruída antes que qualquer cultura revolucionária possa realmente se manifestar. Em outras palavras, é na luta ativa dos dois polos opostos que as sementes de uma cultura revolucionária são plantadas. Não na criação passiva de uma “cultura” alternativa. Tal estilo de vida “alternativo”, só poderia ser possível com a permissão da vontade da cultura capitalista dominante. Neste sentido, o nacionalismo cultural é o nacionalismo burguês, porque não propõe a abolição do sistema capitalista e da cultura capitalista.

Ao lidar com a função objetiva da cultura, então, entendemos seu papel social na manutenção de certas relações de classe. A cultura racista faz isso e muito mais. A cultura racista doutrina não só os membros do grupo racial dominante em ideais de classe, normas e valores, mas também cria psicologicamente as atitudes racistas necessárias para manter essas perspectivas de classe como um todo, uma perspectiva voltada contra os alvos do seu racismo. Assim, os sentimentos de superioridade, o medo dos negros e a hostilidade em relação às demandas do Povo Negro (e todos os povos do Terceiro Mundo em geral) está profundamente enraizado na psique branca junto com as fobias e padrões de classe. Ainda mais do que isso, as vítimas da cultura racista são doutrinadas a terem sentimentos de ódio de si, sentimento de inferioridade e impotência. Muitas vezes, isso cria um estado mental social que vê o sistema vigente como eterno e imutável. Juntamente com os valores de classe da cultura dominante, o Povo Negro é constantemente dividido entre a vontade que o opressor define como desejável e a incapacidade de obtê-lo. Ou, para obtê-lo e, em seguida, perceber que era apenas uma brincadeira, ele ainda é visto (pela cultura racista dominante e por ele mesmo) como o negro de sempre. Tudo isso é incapacitante para o Povo Negro oprimido, amarrando seus cérebros de forma irrevogável a procura de seus opressores para a própria salvação, muitas vezes levando à busca infrutífera de alcançar tudo o que é definido como “bom”, com base nos padrões do opressor.

A fim de quebrar essas correntes psicológicas da escravidão do século XX, temos de construir uma cultura revolucionária. Uma cultura que não apenas programe nossas mentes para fora da opressão, mas, ao mesmo tempo nos projete contra as classes inimigas e a sua cultura. A contribuição do BLA na formação de uma cultura revolucionária será no esforço para criar uma tradição armada de resistência à nossa opressão, e para criar um quadro sociopsicológico na mente tanto do povo oprimido, quanto do seu opressor. Tal atitude irá direcionar a nossa eventual autodeterminação como um povo.

Nós, portanto, fazemos poucas distinções com base na cor de nossos inimigos. O mesmo tratamento que será dado aos inimigos oriundos da classe dominante branca e seus lacaios, será também dado aos lambe-botas negros ou negros inimigos de classe em nossa luta. A única consideração é que nossas formações armadas e lideranças são oriundas de nosso próprio povo.

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