Formação – Revolução Cultural: documento inédito de Carlos Lamarca

Documento escrito por Carlos Lamarca, assinado como “Claúdio” e datado de 22 outubro de 1970, com circulação interna na Vanguarda Popular Revolucionária – VPR. Com fonte original no Arquivo Nacional (SIAN), o documento escrito por Lamarca na condição de Comandante da VPR usa, muitas vezes, uma linguagem informal e termos próprios da organização, apresentando também algumas passagens confusas, muito provavelmente por ser uma primeira versão, ainda em esboço e sem revisão final.

Dentro do temário apresentado para discussão consta Política de Formação de Quadros. O assunto é uma questão estratégica porque está integrado no fundamental – a qualidade do quadro de vanguarda, futuro quadro do Partido – nunca é demais repetir, logo futuro dirigente em diversos níveis. Ao estudarmos a revolução noutros países, num certo estágio de construção do socialismo, há o impasse devido, primeiramente, a falta de quadros de direção intermediária, refletindo no Comitê Central decisivamente. Daí à imposição de cima para baixo do planejamento até ao “cumpre ou morre”, “ordem não se discute”, “o chefe falou, logo…” fica faltando pouco. Assim, não nos basta constatar os desvios da Revolução Proletária nos diversos países, temos que ir ao fundo e buscar compreender as transmutações nos diversos níveis.

Ora, quando há condições para se perceber o início do desvio, e não só, como também condições para combatê-lo, reduz-se tudo à atenção constante. Quando faltam condições, há que se criá-las. Desde quando? Desde já formar, formar sempre. Quais as condições necessárias para que o quadro do Partido possa atuar sempre no processo revolucionário e construir o socialismo? Podemos resumir em ser marxista-leninista. A nossa temática é, pois, formar o quadro marxista-leninista, agora, para continuar o processo formativo.

A formação é um processo de aperfeiçoamento constante, por saltos diante das contradições, um superar e evoluir, sem refluxos.

O processo formativo pressupõe uma orientação, e no nosso caso, estar dentro da realidade da Organização, na luta. Não há condição de formar alguém antes e colocá-lo, pronto, num outro meio social, como não há condições de jogar alguém dentro da Organização para que se forme na atual prática. Esta última colocação tem de ser aprofundada, fundamentada (por isso, sairemos do esboço do documento).

A nossa prática ainda está impregnada dos resquícios da prática anterior, vícios de militância e deformações da esquerda. Não queremos fazer de Massafumi e Lungareti fantasmas a nos envolver, mas compreender a deformação que eles representam. Quem está de fora da esquerda, ou melhor, das organizações revolucionárias, idealiza o revolucionário, não o analisa e o entende como gente que rompe com a sociedade e luta para construir outra, com todas as suas dificuldades e limitações enquanto pessoa, com os resquícios da sociedade em foi formada. Assim, espera encontrar na Organização tudo em que nos apoiamos para lutar: a coletivização, o ódio à classe dominante, o amor à classe oprimida, moral revolucionária, dedicação plena, perfeição, método e humanismo marxista. A alguém que entre para a Organização e sofra algum abalo, duas reações podem se dar: o descontentamento que se emula no criticismo, depois se afasta, ou o procedimento marxista-leninista de constatar a realidade e se predispor a modificá-la, de dentro da Organização, na luta. Muitos militantes se afastaram da Revolução no ano passado, muitos confundem Organização Revolucionária com escapismo pequeno-burguês, outros hoje são hippies, “escapam” pela toxicomania, ninfomania, megalomania, etc. É necessário, pois, uma preparação e a tomada de consciência paulatina da realidade em que terá o novo quadro de atuar. Como fazer a preparação e quem vai fazer? Enfocaremos este aspecto adiante (para não desviar muito).

A formação tem de se iniciar a partir do recrutamento, entendido não como a entrada na Organização, mas no início do relacionamento oficial com um militante da Organização. E quais são as origens dos quadros? a) Outras organizações; b) Contatos de militantes; c) Brasileiros vindos do exterior; d) Ampliação de aliados.

a) Os militantes oriundos de outras organizações apesar de formados (sic), trazem vícios de militância, deformações já “manjadas”, mas tarimbados pelas “jogadas” políticas, estão fortalecidos. A inclusão em bases pode ser imediata, devendo-se, no entanto: solicitar da Organização de origem informações sobre sua militância; relatar o histórico de nossa Organização; checar se conhece mesmo nossa linha política; realçar normas de segurança.

Para não deixar dúvidas, o companheiro oriundo de [outras] organizações só poderá, claro, entrar para a Organização a partir da aceitação de nossa linha política. Mas não basta isto, é preciso que a estude e a discuta.

b) Os contatos de militantes devem receber assistência política, discutir documentos da Organização até que se predisponha a atuar, quando passam à categoria de aliados. Como aliados, deverão ser passados ao companheiro encarregado deste trabalho – pelo menos esta é a orientação oficial por enquanto, até que fique tudo bem definido na política de aliados. Especial cuidado deve ser tomado com esses contatos, em virtude da repressão fazer levantamento do relacionamento do quadro queimado. Assim, esses contatos não devem conservar nada em suas casas, à não ser que tenham um esconderijo seguro, e que o ponto com o militante haja estabelecido: sinal de perigo, sinal de tudo bem, emergência segura (fora dos pontos da Organização). O militante não pode frequentar a casa nem o carro do contato. Ao passar a aliado, deve ser recomendado mudar de residência (se o militante conhecer) – e o militante deve atuar concretamente no combate ao liberalismo – ao ser liberal, o militante está dando um péssimo exemplo e facilitando o trabalho da repressão.

Será distribuído reservadamente o teste, chequeio, da disciplina conseguida pelos militantes com esses contatos, formas de nos preservarmos do liberalismo.

É comum que um contato não queria ser passado para outro militante para ser organizado num grupo de aliados. Esta atitude é justificada pela prática anterior inconsequente de “passa-passa” de contato, que levou à prisão de muitos aliados. Há o caso do contato colaborar com o militante pela confiança que deposita nele (por não confiar ainda na Organização). Nesse caso o contato pode ser considerado pelo militante como reserva de infraestrutura e fica sob responsabilidade do militante a segurança do contato – é claro que o nome da Organização está ligado a isto – sendo, pois, passível de julgamento o militante que levar o contato ou o aliado à prisão.            

c) Os brasileiros vindos do exterior serão distribuídos pelas UC [Unidades de Combate] e campo, de acordo com os critérios do Comando, da discussão com cada um, e conforme as informações vindas dos responsáveis no exterior.

Esses quadros tem grande contribuição a dar para a mudança na qualidade da Organização pelo alto nível político e militar, para a ruptura com o amadorismo. Necessitam de uma adaptação para conhecer a realidade da Organização, conhecer bem os locais de atuação, e se atualizar com a prática na esquerda.

Apuradas as suas responsabilidades quando preso, após exame médico, ter se coletivizado e superado, na prática, suas deficiências, poderão vir. Nem todos, pois, virão tão cedo.

O Comando centralizou as medidas para recebimento dos companheiros, deixando às UC que se dediquem aos seus problemas específicos. Mas o Comando não existe no ar, precisa de apoio das UC para essa preparação, daí a necessidade de tomada de consciência de todos que alguns quadros selecionados serão chamados a tarefas que nunca poderão ser abertas, sob perigo de cair enquanto companheiros se deslocam para cá. A repressão decidiu matar todos que foram trocados, caso caiam novamente – de forma que qualquer liberalismo pode levar à morte de companheiros – e o companheiro responsável por isto deve ser imediatamente julgado.  

A posição oficial da Organização é que todos os quadros são combatentes, não existindo, pois, os burocratas, os políticos e os militares – e a posição é correta. No entanto, queremos abrir a discussão para essa tarefa que surgiu a partir de junho, a preparação de condições para recepção dos companheiros. Quatro meses se passaram e as UC ainda possuem problemas de infraestrutura para atuação, mesmo que o Comando prepare rapidamente condições para a recepção, as UC têm de ter capacidade de assimilação – e é consenso que deve ser urgente a vida dos companheiros. A prioridade primeira é de encaminhamento dos companheiros para o campo, e nisto as nossas condições estão precárias – mas nem todos destinar-se-ão ao campo. Eis a problemática que vivemos, neste campo, acrescentando-se o acúmulo de tarefas das UC sobre documentação, aparelhos e suas fachadas, e problemas de deslocamento dos quadros.                    

d) A política de aliados não pode ser elaborada desligada de um todo, está integrada na política de formação de quadros – ainda no primeiro aspecto de recrutamento.

Assumimos (Organização) a vanguarda na procura de contatos com aliados. Abrimos perspectivas (Relatório nº 1) de participação, iniciamos discussão, que aprofundaremos paulatinamente, levando à prática o recrutamento como um processo.

Num trabalho metódico vamos colocando em discussão e na prática as normas de segurança, combatendo o liberalismo, impondo compartimentação, exigindo disciplina, etc.    

A questão fundamental, já que o que fazer é claro, é como fazer e quem faz. A característica do trabalho pressupõe que, quem execute, deva ser um militante de alto nível político, bastante experimentando, maduro. Daí a necessidade de passagens de contatos (já em nível de aliado da Organização e não um amigo) para as pessoas, em cada UC, com as condições desse trabalho. Como fazer, será estabelecido na política de aliados, mas abrimos discussão, colocando a necessidade de organizar os aliados em bases (com exceção aos ligados à Inteligência), para que se coletivizem e façam discussões, e seja superada a prática anterior de solução a problemas individuais, embora seja a partir disto (problemas individuais) que seriam agrupados em bases. Com esta organização, o militante da Organização teria contato já com os coordenadores das bases, evitando-se que o militante conheça todos. As possibilidades de trabalhos diversos poderiam ser carreados pelo militante para as UC, para a Inteligência Nacional, Campo, Ligação com exterior, Imprensa de alto nível, etc. Da análise constante da evolução, pode-se integrar toda uma base na UC, ficando só o coordenador da base em contato com o Comandante da UC, conseguindo-se assim, separar quadros legais dos queimados (posição do Congresso), e evitando que todos se conheçam. Aconteceu na GB [Guanabara] que um quadro integrado há 4 meses já conhece todos os quadros da UC – a crise e o liberalismo que ali imperava possibilitou isto – mas, não mais pode acontecer (em balanço crítico nos diversos Congressos e Conferências, considerava-se isto como prática da GB – e sua contestação hoje demonstra que as experiências não estão sendo assimiladas).

Temos ainda de compreender que as ações não podem ser forçadas, nem admitir mais a técnica de comprometimento paulatino, mas sim de tomada de consciência paulatina, a opção virá em nível superior. E mais, ao invés de transformar os aliados em instrumentos cumpridores de ordem, restritos às necessidades imediatas, abrimos perspectivas amplas em que as opções podem se dar, e a partir daí orientar o seu emprego na tarefa adequada. Assim, nenhum aliado poderá saber a opção do outro, pois a queda de um pode fornecer à repressão dado ou pista para se atingir o outro setor. Ora, tudo isto é básico, primário, e qualquer interferência que não para aperfeiçoar deve levantar a nossa suspeita.

Bem, enfocamos aqui a questão do recrutamento de quadros de vanguarda, mas temos de discutir o recrutamento do quadro de exército [popular]. Ao rompermos o isolamento político teremos pela frente o recrutamento do quadro de exército, cuja capacidade não permite a assimilação de uma linha política, que a segurança é entendida como medo, que a quebra de uma palavra empenhada, um ponto mesmo, significa falta de responsabilidade, que solidariedade é questão fundamental no seu humanismo, que a moral (burguesa) é inflexível – mas seu nível ideológico é firme. Para o relacionamento com este quadro, realmente, a seleção deve ser muito maior, não é qualquer militante, por enquanto, que tem condições de fazer esse relacionamento. Primeiramente, tem de falar para ser entendido (e não para ser considerado culto), saber entender o linguajar comum (na cidade e no campo diferentes, nas diversas regiões, bem diversificados) e se fazer respeitado, respeitando. Reduzir o quadro de exército a um cumpridor de ordens é o primeiro crime que se pode cometer, e o seguinte é iludi-lo. O quadro de exército necessitará de totalidificação, de visão do todo e da sua parte no todo – e a correta importância do seu trabalho no todo. E não basta dizer que o que vai fazer é importante, é preciso dizer por que é. E ter a consciência e a preocupação constante que, fazer de alguém um cumpridor de ordens (como faz a burguesia), um instrumento até certo ponto utilizável, é o maior desvio em que se pode incorrer, reduzir um ser humano, impedir a sua criatividade, castrar o seu direito de livre pensamento, dificultar a sua tomada de consciência do que é fazer Revolução, sentindo-se fazendo-a; ter esta consciência é básico para um marxista. Ou alguém leva ao pé da letra que a vanguarda conduz a massa? A massa vista pela repressão é disforme, não pensa, pode ser facilmente transformada numa turba violenta (manuais da repressão). Mas nenhum marxista pensa assim, não é? Companheiros, desviei (novamente) um pouco, mas a importância do assunto é tal que a pressa pode gerar a omissão. Temos de ter a justa medida de segurança e disciplina e não transforma-los em instrumentos e os castrar. Sem a segurança não sobreviveremos e sem a disciplina nos desagregaremos. Mas a falta de informações desliga a parte do todo, e a disciplina burguesa aliena o indivíduo. A repressão divide a disciplina em consciente e imposta, nós só admitimos a consciente, logo, uma só, e só é possível um revolucionário ser disciplinado se está convencido, se tem consciência do todo. Chamamos ao debate a antítese para destruí-la o quanto antes, para se erradicar a prática de alguém querer fazer de alguém um cumpridor de ordens. E a tentativa é esta: agente ou instrumento? Em nome da segurança também a repressão aliena, impõe uma cultura, cerceia a liberdade, etc. Se uma organização vai praticar o mesmo, adeus Revolução. Se um revolucionário utiliza um companheiro como um instrumento, como pensa fazer uma Revolução? O pensamento está embotado, que só tem que libertar as forças produtivas? Desculpem companheiros, mas temos de desviar novamente – quando lemos as obras de revolucionários que levantam: “o revolucionário tem que enrijecer, mas não pode perder a ternura”, “o revolucionário tem de se transformar numa máquina fria de matar” – quando lemos isto, todos devem meditar profundamente. Embrutecer-se é tornar-se incapaz de fazer Revolução Cultural, a Revolução Socialista, embrutecer-se é se imaginar dentro de uma ação dando tiros (e cada vez mais) e se transformar em máquina fria de matar – de matar a quem se encontre no caminho, sempre, e cada vez mais. Ser revolucionário não é isto, isto é ser soldadinho burguês, ser revolucionário é lutar contra a classe dominante (e posteriormente até contra a casta burocrática dominante), com ódio de classe, mas com amor à classe oprimida, com amor aos companheiros de luta. Ficamos com Comandante Che, pois não queremos o soldadinho pronto para matar, mas o companheiro para criar, construir algo melhor que isto que aí está diariamente a nos desafiar. Eis a nossa força imensa, o mais é falácia, estampa para se ver, fachada que cai no primeiro choque da tortura da repressão. É impossível ser revolucionário sem ser disciplinado, pois a indisciplina nos faz conduzir companheiros à prisão – mas é impossível ser revolucionário um cumpridor de ordens. Ser revolucionário é ser agente da Revolução e nunca um instrumento.

Enfoquemos a primeira parte da Política de Formação de Quadros – recrutamento – por vezes desviando o assunto entrando na Política de Aliados e Moral Revolucionária, pela impossibilidade de se separar o que está num todo.

Não esgotamos nada, tudo levantamos para debate político, conforme necessidade de nossa Organização e determinação do Comando (Relatório nº 1).

Segunda parte, consideremos a formação de quadros de vanguarda e de exército na prática. Temos de estudar separadamente; e como vemos esta formação de quadros de vanguarda? Temos de partir de uma premissa correta para não chegarmos ao idealismo. Temos de partir da premissa que os quadros são marxista-leninistas. Quadros que tem a crítica e autocrítica como instrumento prático de aperfeiçoamento e não como instrumento de confusão ou de “Deus me perdoe”. Vemos na prática da crítica e em sessões periódicas de autocrítica nos órgãos de militância, o caminho correto para o aperfeiçoamento revolucionário. Os católicos fazem exame de consciência, confessam, pagam 3 ave-marias e quando reincidem no erro repetem tudo e pagam 6 ave-marias. No leninismo, que não é religião, simplesmente exige-se a superação na prática a partir da autocrítica – não há vaivém. Quando alguém se magoa quando recebe uma crítica ou se satisfaz ao fazê-la, não está em condições de crescer, o individualismo impedirá. Mas se estamos coletivizados e sentimos não a nós no todo, mas o todo como nós, então podemos seguir.    

Ou nos coletivizamos e praticamos a crítica e a autocrítica ou não praticamos – e perdemos o direito de nos dizermos leninistas. Num coletivo as deficiências individuais são superadas pelo todo, enquanto os indivíduos crescem aritmeticamente, digamos, o todo cresce geometricamente. A coletivização é, pois, o ponto de partida para uma correta formação.

Seguem-se os estudos e as continuadas discussões políticas. Para os estudos precisamos de uma biblioteca móvel (os aliados podem contribuir) e resolver a nossa revista Arma Teórica e o jornal Luta de Classes. Além do que deve funcionar a imprensa formativa, seja através da revista, do jornal, ou do caderno de debates.

A simples leitura não basta, é necessário a sedimentação com debates no coletivo, em que os de maior nível contribuirão para o crescimento dos outros companheiros e aos que tenham maior dificuldade, sejam dadas tarefas de estudos para depois explorarem o que foi assimilado. Assim, também o coletivo cria nos companheiros o hábito da leitura, não se resumindo qualquer militante a receber tudo “mastigado”.

Num nível superior parte-se para o estudo da Economia e Administração, Educação e Cultura.

Ao reduzir numas poucas palavras toda a problemática não estamos querendo simplificar, mas apenas não nos amedrontarmos com ela. Um coletivo marxista-leninista dedicando-se aos debates, discussões políticas e aos estudos pode nos abrir os horizontes, saindo-se da cotidiana influencia burguesa do blá-blá-blá estéril, alienante. A cultura burguesa de decorar partes da enciclopédia, ler asneiras, parecer que leu demonstrando saber de cor as orelhas do livro, ou no máximo a introdução, de fazer interpolação com frases em inglês ou francês (se ainda fossem em chinês, russo, espanhol…), de fazer citações sem mesmo à compreensão delas, sem uma análise, mas como papagaios ou religiosos dogmáticos, a tudo isto responderemos com uma cultura criativa, criadora, revolucionária.  

Não vamos entrar naquela de indicar livros, aquela de “leiam, e se não lerem cumpri meu dever de recomendar”. Devemos sim, ter o estudo como dever a cumprir e do qual temos de prestar contas, como no orçamento, só que aí entranca no planejamento do tempo, que levantamos no documento “Exigir e Contribuir”. Mas é válida a colocação, para fazer a interação, porque afinal não nos reduziremos aos estudos para contemplar, mas para criar dentro da luta, na Revolução Cultural. Então entramos na formação dos quadros de exército.

A problemática da formação do quadro de exército é outra, e justamente aí está a questão fundamental, não se trata de tão somente transformá-los em combatentes, dar visão foquista, mas também prepará-los para a administração local, para que seja levada à prática a democracia popular, a população desde o início sendo organizada para poder participar na decisão. No campo a partir das pequenas localidades e vilas, nas cidades a partir dos bairros proletários e fábricas.

Temos pouca experiência neste campo, mas a tendência normal é querer transformá-los logo em quadros de vanguarda, e diante da dificuldade natural disto, abandoná-los ou passar a vê-los de cima e conduzi-los. Eis o desvio de não compreender que esses quadros são os mais criativos e firmes, os que irão ao longo do processo firmes mesmo. Serão sim a longo prazo transformados em quadros de partido, mas a pressa pode confundi-los. No trato com os quadros de vanguarda podem até desiludir, pelo purismo de sua concepção. Precisam confiar para se empenharem a fundo, e quando se empenham não voltam. Tendem ao imediatismo, ao voluntarismo, a macheza, mas facilmente interpretam uma realidade porque a “sentem” e atuam descontraidamente nela. Suas proposições são de extrema violência, mas são humanitários, levando às últimas consequências o respeito aos velhos, mulheres, crianças e animais. Desnecessário falar no ódio de classe.                      

Dois desvios têm de ser combatidos, o paternalismo e o aventureirismo, vê-se muito os dois por aí, nem se trata de adorá-los, como se vê por aí também. A Organização (há 10 meses) trouxe uma família camponesa para a cidade que após conseguir emprego, não quis mais nada, fez sua “revoluçãozinha particular”. Como já tivemos contatos com proletários profundamente deformados pela corrupção. Nem vamos entrar na polêmica ridícula de certa organização de esquerda que afirma que Che não confiava na massa, ao recomendar vigilância constante, esses “marxistas” deturpadores da história nem resposta merecem. Temos é de manter a mente no lugar, no contato direto com a realidade, estudando os quadros de exército na vivência com eles, para que sejam formados como agentes da Revolução, com repsonsabilidade então – e não como um instrumento, que se partir pode ser improvisado [sic].   

O exemplo de luta é fundamental nesta formação, mas não basta. As elocubrações mentais nada significam para esse quadro. Ele nos testará na prática: se falamos em coletivização, mas se nos esforçamos para resolver os problemas pessoais, se cansamos na primeira subida, reclamamos do desconforto, alimentação, etc. Não adiantará dizer “porque me ufano de ser um quadro de vanguarda”, lúcido, incansável e bom, enfim. A formação do quadro de vanguarda só será completa na formação do quadro de exército – que é a Revolução Cultural. Revolução Cultural é, pois, uma interação formativa vanguarda-massa em que as características e valores proletários são assimilados na prática marxista-leninista pela vanguarda e pela massa, da vanguarda para a massa e da massa para a vanguarda, numa constante, durante a luta de longa duração, e num estágio avançado de luta e após a tomada do poder, entre Partido-Povo e Povo-Partido, e ainda constante no processo até levar à prática o internacionalismo proletário. Revolução Cultural é um processo formativo e não um castigo tipo: “seja ligado a produção fulano para que se corrija”. Vamos sim criar o homem novo e temos de nos preparar para isso, ou só falam por falar, como engodo? Não, porque cremos nisso, porque já seremos homem novo no processo revolucionário, capacitando-nos para criar o homem novo sem resquícios da sociedade burguesa, que ainda nos acompanha. Quem não entende isto pode estar em condições de empunhar um fuzil, e até empunhar um livro, pode usar perfeitamente o fuzil, mas não conseguirá usar devidamente o livro.                                         

Que tudo isto saia do papel o quanto antes, tudo se resume em ser revolucionário marxista-leninista, ou: coletivizar-se; autodisciplinar-se; praticar a crítica e autocrítica; educar; respeitar e amar; estudar sempre; ousar lutar, ousar vencer.

E logo terminarão as crises, nada nos abaterá, e tudo que acontecer será motivo de fortalecimento.

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