À Esquerda Revolucionária – Carta de Carlos Lamarca

Documento assinado por Carlos Lamarca destinado às organizações da esquerda armada comunicando sua adesão ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), datado de agosto de 1971 e ao que tudo indica escrito a quatro mãos com sua companheira Iara Iavelberg. Fonte do original datilografado disponível no Centro de Documentação e Memória (CEDEM/UNESP).

Ao assumir a posição de classe oprimida, também assumimos a responsabilidade de travarmos a luta teórica e ideológica dentro da vanguarda – nisto devem se empenhar todos os revolucionários. A nossa tomada de posição deu-se ingressando numa Organização revolucionária, na concordância com uma linha política – e o nosso comprometimento com a Organização dá-se com a dinâmica dessa linha política que, no confronto com a prática, dialeticamente se aperfeiçoa, atuando transformadoramente numa realidade.

A esquerda revolucionária enfrenta a mais dura fase da formação e de solidificação da vanguarda. Outros movimentos revolucionários viveram esta fase, e a sua superação e o salto de qualidade que possibilita o aceleramento do processo. Para isto, é necessário que algumas condições existam, ou sejam criadas – e, fundamentalmente, para se constituir numa força política, capaz de alterar a conjuntura, precisa a esquerda revolucionária formar sólida base social nas camadas revolucionárias da massa. Em termos usuais na esquerda atualmente, romper o isolamento político. As divergências entre as organizações revolucionárias se dão em torno de como romper o isolamento político com as massas. Duas posições existem: a vinculação política ou orgânica com a massa. A prática tem informado da justeza ou não dessas posições.

Enquanto a posição da vinculação política com a massa tenta desenvolver a propaganda armada (agitação) isolada, como um foco debraysta urbano, o isolamento se aprofunda ainda mais no desconhecimento dos interesses e expectativas da massa. A isto, soma-se uma errônea análise de classes, em que os marginalizados do processo produtivo são tidos como a camada principal da massa. Essa posição desconhece que o marginalizado marcha à retaguarda da classe operária, reivindica assistência, é facilmente neutralizável pelo paternalismo populista e, quando assume posição revolucionária tende para a destruição, inadequado para um processo de luta prolongada, em que temos de construir, para construir o poder alternativo, fazendo a Revolução cultural.

A VPR, ao se fechar dogmaticamente nesta posição de vinculação política com a massa e tendo o marginalizado como camada principal, fecha a possibilidade de ruptura do isolamento político. Simplificando sua posição à tentativa de politizar por meio do que se chama propaganda armada, enclausura-se mais, esquecendo que é necessário o trabalho de organização e educação da base social. Como toda prática forma e deforma, tal posição forma os militantes isolados da massa como uma casta política e os deforma na defesa de posições pequeno-burguesas. Eis o centro de nossa ruptura com a VPR.

Ingressamos no MR-8, após um período de discussões em que nos aprofundamos nas posições políticas da organização, discussões internas, política de organização e estrutura orgânica. Identificamos nossas posições com as do MR-8 quanto no caráter socialista da Revolução; luta popular prolongada com integração e interdependência cidade/campo, com vinculação político-orgânica com as massas por diversas formas de luta, de acordo com a realidade brasileira; e quanto às tarefas imediatas de implantação social para criação de condições de deflagração combinada de diversas formas de luta.

A burguesia tem procurado travar a luta de classes em todos os níveis: ideológico, político, militar, e, recentemente, vem dando ênfase no plano superestrutural. Temos como posição fechada que da burguesia não nos defendemos, a ela atacamos. Tem ela se utilizado de ex-companheiros que assumiram a posição da classe dominante e de alguns companheiros que fraquejaram sob as brutais torturas. No entanto, temos de ressaltar que centenas de companheiros, mesmo sob as mais bárbaras e ignominiosas torturas continuam a travar a luta de classes nas masmorras do imperialismo. E não foi o imperativo categórico kantiano do dever cumprido que os fizeram suportar (e ainda suportam) sofrimento, mas a militância marxista-leninista que possibilita a exata compreensão do estágio do processo e as necessidades revolucionárias para a formação e solidificação da vanguarda. E o nível ideológico é tão mais elevado, quanto mais estreita a militância junto à massa, quanto mais fazemos a Revolução Cultural, até levar à prática o internacionalismo proletário.

Consideramos que está encerrado o processo de fracionamento da esquerda e, tende a se iniciar o processo de aglutinação política, e a luta política para que isso se torne viável à curto prazo é das mais importantes, senão decisiva para o processo revolucionário. Já existe o embrião dessa vanguarda na Frente composta por cinco organizações revolucionárias.

O aprofundamento de discussões, a prática conjunta e o estreitamento do relacionamento revolucionário, possibilitarão que a luta política interna – inicialmente com as polarizações da prática anterior e, posteriormente, com a interação política – nos conduza ao aperfeiçoamento da prática política que a luta já nos exige em todos os níveis. Os revolucionários brasileiros, no Brasil ou no exterior, têm que se dedicar a essa tarefa fundamental para o aceleramento do processo – todos podem e devem contribuir. O sectarismo que até então existiu na esquerda brasileira tem de ser erradicado na prática; bem sabemos o preço elevado que a esquerda revolucionária pagou pelos sectarismos próprios da classe dominante, que permanece como resquícios em militantes revolucionários. Não se trata de apressar, como pensaria um pequeno-burguês, mas de lutar, no dia a dia, para criar as condições para o fortalecimento das forças revolucionárias.

Concretamente, propomos a todas as organizações revolucionárias que iniciem o processo de estreitamento de relacionamento revolucionário, trocando documentos internos; formalizado em documentos as suas posições para que sejam discutidas por todos os revolucionários aqui e no exterior; propondo temário conjunto para a discussão em todas as bases de todas as organizações revolucionárias; dinamização da prática conjunta nos pontos em comum e troca de experiências acumuladas com a prática. Iniciemos a revolução interna na esquerda, criemos condições para isso – procuremos, desde já, nos relacionarmos dentro dos padrões que pretendemos construir no Socialismo.

À VITORIA SEMPRE.

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