Sobre a libertação gay e feminina – Huey P. Newton

Publicado originalmente no jornal The Black Panther, v. 5, n. 8, agosto de 1970.

Ao longo dos anos mais recentes, fortes movimentos têm se desenvolvido entre mulheres e entre homossexuais, almejando sua libertação. Tem existido alguma incerteza sobre como lidar com esses movimentos.

Sejam quais forem suas opiniões pessoais e inseguranças sobre a homossexualidade e sobre os vários movimentos de libertação entre homossexuais e mulheres (e eu falo sobre os homossexuais e mulheres como grupos oprimidos), deveríamos tentar nos unir a eles de uma forma revolucionária.

Eu digo “sejam quais forem suas inseguranças” porque, como sabemos muito bem, algumas vezes nosso primeiro instinto é querer dar um soco na boca de um homossexual e querer que a mulher fique quieta. Nós queremos dar um soco na boca do homossexual porque temos receio de que nós sejamos homossexuais; e nós queremos bater na mulher, ou calá-la, porque temos a preocupação de que ela possa nos castrar ou tomar os colhões que podemos nem ter, para começar.

Devemos ter mais segurança em nós mesmos, e assim ter respeito e sentimentos para com todas as pessoas oprimidas. Não devemos ter um tipo de atitude racista, como a que os racistas brancos têm contra pessoas porque elas são pretas e pobres. Muitas vezes, a pessoa branca mais pobre é a mais racista, porque ela tem receio de que possa perder alguma coisa, ou descobrir alguma coisa que não tem; você representa algum tipo de ameaça para ela.

Esse tipo de psicologia é o que percebemos funcionando quando vemos pessoas oprimidas e temos raiva delas por conta de seu tipo particular de comportamento, ou por seu tipo particular de desvio da norma estabelecida.

Lembrem-se, nós não estabelecemos um sistema de valores revolucionário; somente estamos no processo de estabelecê-lo. Eu não me lembro de termos jamais constituído um valor que afirme que um revolucionário deve dizer coisas ofensivas para homossexuais, ou que um revolucionário deve se certificar de que mulheres não falem sobre seu próprio tipo particular de opressão. Na verdade, é, exatamente o oposto: nós afirmamos que reconhecemos o direito das mulheres de serem livres. Nós não temos falado de forma nenhuma sobre os homossexuais, e devemos nos referir ao movimento homossexual porque é algo real. E eu sei, através da leitura e através da minha experiência de vida, das minhas observações, que aos homossexuais não são concedidas liberdade e autonomia por qualquer um na sociedade. Talvez eles sejam as pessoas mais oprimidas na sociedade.

E o que fez com que sejam homossexuais? Talvez seja todo um fenômeno que eu não compreendo inteiramente. Algumas pessoas dizem que é a decadência do capitalismo. Eu não sei se esse é o caso; duvido bastante disso. Mas, seja qual for o caso, sabemos que a homossexualidade é um fato que existe, e devemos entendê-lo em sua forma mais pura: isso é, uma pessoa deveria ter a liberdade de usar o seu corpo da forma que quiser. Isso não significa endossar coisas na homossexualidade que nós não veríamos como revolucionárias. Mas nada diz que um homossexual não pode ser também um revolucionário. E talvez eu esteja agora introduzindo algo do meu preconceito, ao afirmar que “mesmo um homossexual pode ser um revolucionário”. Muito pelo contrário, talvez um homossexual possa ser o mais revolucionário.

Quando temos conferências, convenções e manifestações revolucionárias, nelas deveria haver plena participação do movimento pela libertação gay e do movimento pela libertação das mulheres. Alguns grupos podem ser mais revolucionários do que outros. Nós não devemos usar as ações de uns poucos para dizer que são todos reacionários ou contrarrevolucionários, porque eles não são.

Nós devemos lidar com as facções exatamente como lidamos com qualquer outro grupo ou partido que afirma ser revolucionário. Devemos tentar julgar, de algum modo, se eles estão operando de forma sincera, de uma forma revolucionária, desde a situação de uma opressão real. E admitamos que, se tratando de mulheres, elas são provavelmente oprimidas. Se fazem coisas que não são revolucionárias ou que são contrarrevolucionárias, então critiquemos aquela ação. Se sentimos que o grupo, em seu espírito, pretende ser revolucionário na prática, mas comete erros na interpretação da filosofia revolucionária, ou não compreende a dialética das forças sociais em operação, devemos criticar isso, e não os criticar porque são mulheres tentando ser livres. E o mesmo é verdadeiro para homossexuais. Não devemos nunca dizer que um movimento inteiro é desonesto, eles estão apenas cometendo erros honestos. Aos amigos é permitido cometer erros. Ao inimigo não é permitido cometer erros, porque toda a sua existência é um erro, e nós sofremos por isso. Mas a frente de libertação das mulheres e a frente de libertação gay são nossas amigas, são aliados em potencial, e nós precisamos de tantos aliados quanto for possível.

Nós devemos estar dispostos a discutir as inseguranças que muitas pessoas têm sobre a homossexualidade. Quando digo “inseguranças”, eu me refiro ao medo de que eles sejam algum tipo de ameaça à nossa masculinidade. Eu posso entender esse erro. Devido ao longo processo de condicionamento que constrói a insegurança no homem norte-americano, a homossexualidade pode produzir certas inibições em nós. Eu mesmo tenho inibições sobre a homossexualidade masculina. Por outro lado, eu não tenho nenhuma inibição sobre a homossexualidade feminina. E isso é um fenômeno em si mesmo. Penso que isso provavelmente ocorre porque a homossexualidade masculina é uma ameaça para mim, talvez, e as mulheres não são uma ameaça.

Devemos ser cuidadosos sobre o uso de termos que podem afastar nossos amigos. Os termos “veado” e “frouxo” devem ser apagados do nosso vocabulário, e nós especialmente, não devemos associar nomes normalmente designados para homossexuais a homens que são inimigos do povo, como Nixon ou Mitchell. Homossexuais não são inimigos do povo.

Nós devemos tentar formar uma coalizão para trabalhar com grupos de libertação gay e de libertação das mulheres. Devemos sempre operar com as forças sociais da maneira mais apropriada. E essa é realmente uma parte significativa da população, tanto mulheres quanto o crescente número de homossexuais, com quem temos de lidar.

TODO PODER AO POVO!

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