A luta armada, problema central da teoria revolucionária – RAF

A história nos ensina que uma linha política e militar justa não nasce nem se desenvolve por si mesma e pacificamente. Nasce e desenvolve-se no combate contra o oportunismo de “esquerda”, por um lado, e contra o oportunismo de direita, por outro.

Mao Tsé-Tung, em Problemas Estratégicos da Guerra Revolucionária na China, 1936.

Hoje em dia, é cada vez maior o número de pessoas jovens que despertam para a consciência revolucionária. Cresce a vontade de trabalhar, de forma consistente e disciplinada, para alcançar a revolução proletária. E a concepção de que tal revolução não pode ser alcançada sem uma teoria científica revolucionária ganha terreno, mas se deve tirar as consequências disso.

A teoria revolucionária não é uma tarefa acadêmica, não é meramente uma explicação do contexto social, mas é acima de tudo um ensinamento para a atuação revolucionária. E tem que dar uma resposta concreta e prática à questão das forças, objetivos, meios e caminhos que levarão à revolução socialista. Deve resolver satisfatoriamente a questão do poder do Estado; deve responder sobre se, nas atuais circunstâncias concretas, é ou não possível uma “transição pacífica ao socialismo”, uma transferência de poder não violenta das mãos do capital para as organizações proletárias. Não valem a verborragia ou os encantamentos. O que conta é a pesquisa sobre os interesses de classe em conflito e os meios e métodos aplicados pelos poderosos para conservar seu poder. A série de medidas a serem tomadas – necessárias e possíveis – na direção da ditadura do proletariado deve ser desenvolvida. Caso contrário, qualquer teoria revolucionária está repleta de lacunas e não pode de forma alguma servir de guia para a ação. Um grande perigo reside no fato de que as lacunas existentes atualmente não são preenchidas a tempo, pois os revolucionários acreditam que podem responder às perguntas colocadas pelo processo revolucionário de hoje por meio de soluções do passado. Naturalmente, as experiências históricas – ninguém nega isto – são o fundamento do socialismo científico. É como a quintessência do conhecimento, deduzido destas experiências, sobre as leis gerais da dinâmica social. Mas somente a aplicação criativa deste conhecimento à situação histórica correspondente pode fazer avançar a revolução. As lutas de classe bem-sucedidas do passado não são modelos a serem copiados, mas exemplos a serem estudados.

A Comuna de Paris de 1871, a vitória da Revolução de Outubro e a guerra popular na China foram eventos que surgiram de condições históricas completamente diferentes, que não podem ser comparados com as condições de hoje. No entanto, não poderemos desenvolver uma teoria revolucionária adequada se não soubermos tirar destas experiências as consequências válidas para nossa própria ação.

O estudo dos ensinamentos históricos só será frutífero se pudermos compreender corretamente a relação que ocorre, sob as aparências e manifestações, entre o particular e o universal. O geral já existe no particular, da mesma forma que o particular se encontra no geral. O desenvolvimento e o curso da sublevação de março em Paris em 1871, a Revolução de Outubro, a guerra popular chinesa e a queda do regime de Batista em Cuba nos mostram que a luta de classes entre a burguesia e o proletariado para definir as relações sociais de produção se intensifica até o ponto do conflito armado, da guerra civil.

A luta armada como a mais alta forma de luta de classes é algo que resulta do fato de que as classes possuidoras conseguiram assegurar muito bem sua influência decisiva sobre o poder estatal; elas conseguiram um monopolizar o Estado e os instrumentos de poder que decidem em última instância: a polícia e o exército. E esta observação aplica-se tanto à forma aberta quanto à forma parlamentar de ditadura da burguesia. Todo o potencial do poder social tornou-se, em grande medida, um instrumento de dominação nas mãos das classes proprietárias; uma arma para a defesa de seus privilégios, contra as aspirações da grande maioria da sociedade, dos trabalhadores explorados. Nunca uma classe possuidora renunciou voluntariamente a seus privilégios, sua propriedade dos meios de produção. E não há nenhuma indicação de que isso possa ter mudado hoje. Nomes como Auschwitz, Sétif, Vietnã, Indonésia, Amã mostram que as matanças em massa não são de forma alguma métodos de sistemas de dominação pertencentes ao passado e que foram superados, mas que ainda fazem parte dos instrumentos de controle dos poderosos. Eles identificam toda sua existência, física e social, com sua posição de poder como uma classe exploradora, e não podem imaginar qualquer outro tipo de existência. Eles lutam, com a energia de seu instinto de autopreservação, até as últimas consequências, pela manutenção de sua posição de domínio. Onde quer que o capitalismo tenha o poder real à sua disposição, ele fará o máximo para prolongar sua existência.

Não há base material para esperar uma transição pacífica do capitalismo para o socialismo nas metrópoles. As lições a serem tiradas das revoltas sociais do passado e do presente, corroboram suficientemente com a visão de que a luta revolucionária do proletariado contra a dominação do capital leva, em seu estágio mais alto e decisivo, à guerra civil armada, e que a luta armada é o estágio superior da luta de classes. Mao Tsé-Tung assim formulou esta ideia em 1938, dizendo que: “A tarefa central e a forma suprema da revolução é a conquista do poder político pelas armas, é a solução desse problema pela guerra. Esse princípio revolucionário do marxismo-leninismo é válido universalmente, tanto na China como em todos os outros países.” (Problemas da Guerra e da Estratégia, 1938).

Se, nas atuais condições sociais, a fase armada da luta de classes é inevitável, então uma teoria revolucionária deve refletir o aspecto militar da luta de classes de forma adequada, dando uma série de diretrizes concretas para a ação armada.

A primazia da política na revolução socialista não pode e nem deve significar que uma consideração isolada do fator político da luta de classes seja feita, abandonando outros aspectos fundamentais. Isto seria refletir apenas sobre uma parte da realidade social, falsificando assim a totalidade social. Mas, a primazia da política permanece, incontestavelmente, verdadeira.

Isto, entretanto, só pode significar que as formas militares de luta estão subordinadas aos objetivos políticos da revolução. Lênin tinha desenvolvido justamente toda uma teoria militar da sublevação armada nas condições de uma guerra mundial imperialista. Marx e Engels haviam extraído das revoluções de 1848-1850 e da Comuna de Paris princípios importantes para a fase militar da luta de classes, princípios que ainda hoje são relevantes.

No conjunto, pode-se dizer que os clássicos da teoria revolucionária não descartaram a eventualidade de uma fase militar da luta, mas, ao contrário, consideraram-na como uma fase inevitável da revolução que deve ser teoricamente trabalhada. A importância da contribuição de Mao para a teoria revolucionária contemporânea consiste, entre outras coisas, na seguinte tese, endossada na guerra do povo chinês: a organização revolucionária do proletariado só pode levar a uma revolução vitoriosa se for simultaneamente uma organização militar, se o Partido Comunista também construir um Exército Vermelho das classes revolucionárias.

Mao percebeu que, sob as condições do imperialismo organizado internacionalmente, a contradição entre a organização militar das classes antagônicas é a contradição essencial durante o longo período do lento desenvolvimento da guerra popular revolucionária, cujo movimento determina o curso da revolução. Consequentemente, sempre dedicou atenção especial à questão militar, enfatizando a primazia da política como diretriz da ação. E na elaboração da teoria militar da revolução proletária ele aplicou os princípios da teoria cognitiva do materialismo dialético, em contínua discussão com a facção dos dogmáticos de seu próprio partido, que desejava transplantar automaticamente os modelos soviéticos. Lutou contra a transposição para a situação chinesa de conclusões tiradas pelos clássicos em outras circunstâncias sociais; levou o partido à tarefa de analisar autonomamente as relações sociais existentes na China revolucionária através dos métodos do materialismo dialético, conhecendo assim, em primeiro lugar, a sociedade chinesa, e depois tirando as necessárias e justas conclusões das relações chinesas. E só assim poderia surgir a teoria revolucionária que conduziu as classes revolucionárias na China.

Em seu método, Mao mostrou o caminho a seguir para todos os movimentos revolucionários. Este caminho consiste no seguinte: incorporar na teoria e práxis revolucionárias, como um problema central, as consequências militares da luta de classes, estudar cuidadosamente as particularidades das relações de cada uma das classes com a luta revolucionária do proletariado e a correlação de forças entre as classes antagônicas; não retomar esquemas automaticamente, mas descobrir e aplicar na prática, através de análises próprias, as formas de luta militar destinadas a derrubar o capital que são possíveis e eficazes – correspondentes com a atual relação de forças –, testando através de experiências concretas a validade das concepções político-militares, corrigindo-as se necessário, para mudar a correlação de forças em favor das classes revolucionárias através de uma luta eficaz e, sob esta base, elevar a luta militar e política a um nível superior, até a vitória final do proletariado.

Em seu trabalho sobre Problemas da Guerra e da Estratégia (1938), Mao parte da tese fundamental de que a tarefa central da revolução socialista é a tomada do poder através das armas. Ele quer dizer, neste contexto, que esta tarefa também é válida nos países industrializados do Ocidente, mas com a ressalva de que o levante armado e a guerra civil não devem ser iniciados até que “a burguesia não estiver verdadeiramente reduzida a impotência, enquanto o proletariado, na sua grande maioria, não estiver decidido a pegar em armas e a combater”.

Só é possível compreender bem o que Mao disse se for levado em conta que ele não está de modo algum preocupado com a questão de saber se a guerra civil nas metrópoles seria lançada ou não em 1938 pelos partidos comunistas de cada país. O que ele defende é, ao contrário e contra os oportunistas de direita infiltrados no PC chinês, a palavra de ordem de uma longa luta de libertação do povo chinês contra os imperialistas, a classe feudal e a burguesia compradora na China.

Os dogmáticos partem da tese marxista de que a revolução do proletariado é o resultado de um amadurecimento das relações capitalistas de produção e, portanto, só pode ser iniciada e levada a uma conclusão bem-sucedida nas metrópoles industriais; que, tendo em vista as condições socioeconômicas da China, a revolução que lá poderia ser realizada seria apenas de natureza burguesa, com a burguesia devendo naturalmente assumir a liderança, já que o proletariado chinês seria incapaz de realizar uma revolução burguesa; e, consequentemente, o papel de direção na China pertence ao Kuomintang, tendo o proletariado apenas uma função auxiliar. Assim, o processo da revolução socialista mundial deve permanecer em suspenso até que a ação revolucionária do proletariado das metrópoles seja realizada.

O fato de que o proletariado dos países industrializados ainda não havia pegado em armas parecia ser uma prova do seguinte: a falta de uma situação revolucionária nas metrópoles; e Mao teve que expor, para defender sua posição, o caráter peculiar da revolução proletária chinesa, explicando porque os partidos comunistas das metrópoles não lideraram a luta armada, enquanto os chineses tiveram necessariamente que fazê-lo.

Não se tratava para Mao, nesta controvérsia, de duvidar da correção das posições adotadas pelos “partidos comunistas avançados” das metrópoles, nem aparecer também sobre esta questão como um “herege da Internacional Comunista”. Tratava-se de interpretar a linha dos partidos comunistas ocidentais segundo os princípios marxistas-leninistas-estalinistas, vendo-a como uma consequência de diferentes condicionamentos. Assim, sua tese de que a única guerra de que o proletariado das metrópoles precisa é a guerra civil e que deve se preparar para ela permaneceu um tanto abstrata.

Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, a política desenvolvida por Lenin e seguida pelo Komintern sobre a transformação da guerra imperialista em guerra civil apresentou perspectivas realistas. A correção desta estratégia foi bem demonstrada no final da Primeira Guerra Mundial imperialista.

Mao não deixou claro o que ele quer dizer com a “impotência da burguesia”. A crise geral do capitalismo que levou à Primeira Guerra Mundial com seus milhões de mortos não significou a impotência absoluta da burguesia? Não significou isso a existência de crises profundas na economia mundial nos anos 1920 e 1930, a qual resultou na inflação extrema que prevaleceu na Alemanha em 1923, com arrochos salariais massivos e suas milhares de mortes por fome? Nestas décadas, a burguesia não fracassou em apenas um ponto: foi capaz de desorientar, dividir e desmoralizar o proletariado das metrópoles. Somente este sucesso tem poupado a burguesia da revolução.

Mas isto não pode ser visto independentemente do fracasso dos partidos comunistas. Não se pode ignorar o fato de que apesar dos colapsos completos e repetidos do sistema capitalista (desemprego em massa, inflação galopante acompanhada de enorme miséria social, guerra total, grandes devastações, inúmeras vítimas, etc.), não se chegou à guerra civil nas metrópoles; não podemos ignorar o fato de que hoje o proletariado desses países está menos preparado do que nunca para uma sublevação armada e uma guerra civil.

Mao não analisou por que o ataques armados dos fascistas contra as organizações do proletariado ficaram sem respostas. Este não foi um problema seu, mas sim dos partidos comunistas europeus.

Eles deveriam ter percebido, após a vitória do fascismo na Itália, Alemanha, Espanha e Japão, após o fracasso da Frente Popular na França, que não havia mais perspectiva para a luta legal do proletariado nos países capitalistas, que a possibilidade de fazer do parlamento uma tribuna da luta de classes havia deixado de existir. Mao indicava que a principal tarefa dos partidos comunistas é impedir a guerra imperialista. Não podemos imaginar como os partidos proletários de países tão marcadamente imperialistas como Alemanha, Japão e Itália poderiam ter organizado as massas trabalhadoras por meio de “uma longa luta legal” (como Mao recomendou provisoriamente).

Após a Segunda Guerra Mundial, cujo resultado determinou o papel essencial a ser desempenhado no futuro pela União Soviética e pela República Popular da China, as perspectivas para a transformação de uma guerra imperialista em uma guerra civil de caráter social e revolucionário devem ser moldadas de forma diferente. Lênin, em sua análise das guerras imperialistas, partiu da lógica de confrontos armados entre grandes potências capitalistas. Mas esta forma de luta imperialista se tornou obsoleta. Uma nova forma de repressão armada imperialista surgiu no cenário: a entrada em ação da máquina militar das grandes potências capitalistas para combater os movimentos de libertação, nacional e social, que se iniciam atualmente nos países subdesenvolvidos.

Nestas condições, é um desenvolvimento consequente da tese leninista sobre a transformação das guerras imperialistas em guerras civis emancipatórias, a palavra de ordem dos Panteras Negras e do movimento estudantil estadunidense: “trazer a guerra para casa”.

Se Mao diz que a guerra civil nas metrópoles só deve ser iniciada quando a maioria do proletariado está determinada a travar a luta armada, certamente isto não é expressão de um democratismo metafísico; ele disse isso, porque não via a possibilidade de uma guerra civil se desenvolver de outra forma nas áreas urbanas e terminar com a vitória do proletariado.

Sua tese depende, portanto, da resposta à questão de se um movimento armado pode ser formado, mantido e ampliado nas condições da metrópole antes que as massas proletárias sejam mobilizadas para a luta armada.

Esta questão requer um estudo detalhado. Por esta razão, Mao deixou nas mãos dos respectivos partidos comunistas a tarefa de fazer a avaliação adequada. Mas os cálculos desses partidos têm sido errados.

* Texto publicado como primeiro capítulo do documento Über den bewaffneten Kampf in Westeuropa – Rote Armee Fraktion [Sobre a Luta Armada na Europa Ocidental – Fração do Exército Vermelho], originalmente de maio de 1971, traduzido a partir da versão em espanhol publicada como “El moderno Estado capitalista y la estrategia de la lucha armada – Fracción del Ejército Rojo”.

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