Queremos mostrar que é possível vencer: manifesto da ALN e MR-8

Entre os dias 4 de setembro e 7 de setembro de 1969, durante a Semana da Independência, um comando formado por 12 guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN) e da Dissidência da Guanabara, a DI-GB, que naquela ação adotaria a sigla MR-8, capturou o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em Botafogo, bairro da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no então estado da Guanabara. As organizações revolucionárias exigiam a libertação de 15 presos políticos e a leitura de um manifesto ao povo brasileiro, denunciando os crimes da ditadura militar fascista nos meios de comunicação do país. Impondo uma derrotar ao imperialismo norte-americano e a Junta Militar que governava o país, a ação inédita de sequestro de um diplomata por uma guerrilha urbana terminou vitoriosa no dia 7 de setembro, com a chegada dos 15 presos ao México e a veiculação do manifesto que publicamos aqui na íntegra e com a fonte original:           

Ao povo brasileiro

Grupos revolucionários detiveram hoje o Sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o mantêm preso.

Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a banco, onde se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; tomada de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários para devolvê-los à luta do povo; as explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores.

Na verdade, o rapto do embaixador é apenas mais um ato da guerra revolucionária, que avança a cada dia e que ainda este ano iniciará sua etapa da guerrilha rural.

Com o rapto do Embaixador, queremos mostrar que é possível vencer a ditadura e a exploração, se nos armarmos e nos organizarmos. Apareceremos onde o inimigo menos nos espera e desaparecemos em seguida, desgastando a ditadura, levando o terror e o medo para os exploradores e a esperança e a certeza de vitória para o meio dos explorados.

O sr. Burke Elbrick representa em nosso país os interesses do imperialismo, que, aliado aos grandes patrões, aos grandes fazendeiros e aos grandes banqueiros nacionais, mantêm o regime de opressão e exploração. São os interesses desses consórcios que enriquecerem cada vez mais, que criaram e mantêm o arrocho salarial, a estrutura agrária injusta e a repressão institucionalizada. Portanto, o rapto do embaixador é uma advertência clara de que o povo brasileiro não lhes dará descanso e a todo momento fará desabar sobre eles o peso de sua luta. Saibam todos que essa é uma luta sem tréguas, uma luta longa e dura, que não termina com a troca de um ou outro general, mas que só acaba com o fim do regime dos grandes exploradores e com a construção de um governo que liberte os trabalhadores de todo o país da situação em que se encontram.

Estamos na Semana da Independência. O povo e a ditadura comemoram de maneiras diferentes. A ditadura promove festas, paradas e desfiles, solta fogos de artifício e prega cartazes. Com isso, ela não quer comemorar coisa nenhuma: o que ele quer é jogar areia nos olhos dos explorados, instalando uma falsa alegria com o objetivo de esconder a vida de miséria, exploração e repressão que vivemos. Mas pode-se tapar o sol com a peneira? Pode-se esconder do povo sua miséria, quando ele a sente na carne?

Na Semana da Independência, há duas comemorações: a da ditadura e a do povo, a dos que promovem paradas e a dos que raptam o Embaixador, símbolo da exploração.

A vida e a morte do senhor Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ele atender as duas exigências, o senhor Burke Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos obrigados a cumprir a justiça revolucionária. Nossas duas exigências são:

a) A libertação de 15 prisioneiros políticos. São 15 revolucionários entre milhares que sofrem torturas nas prisões e quartéis de todo o país, que são espancados, seviciados, e que amargam as humilhações impostas pelos militares. Não estamos exigindo o impossível: não estamos exigindo a restituição da vida de inúmeros combatentes assassinados nas prisões. Esses não serão libertados, é lógico: esses serão vingados um dia. Exigimos apenas a libertação desses 15 homens, líderes da luta contra a ditadura. Cada um deles vale cem embaixadores, do ponto de vista do povo. Mas um Embaixador dos Estados Unidos vale muito também, do ponto de vista da ditadura e da exploração.

b) A publicação e leitura desta mensagem, na íntegra, nos principais jornais, rádios e televisões de todo o país.

Os 15 prisioneiros políticos devem ser conduzidos em avião especial até um país determinado – Argélia, Chile ou México – onde lhes seja concedido asilo político. Contra eles não devem ser tentada qualquer represália, sob pena de retaliação.

A ditadura tem 48 horas para responder publicamente se aceita ou rejeita nossa proposta. Se a resposta for positiva, divulgaremos a lista dos 15 líderes revolucionários e esperaremos 24 horas por seu transporte para um país seguro. Se a resposta for negativa, ou se não houver resposta nesse prazo, o sr. Burke Elbrick será justiçado. Os 15 companheiros devem ser libertados, estejam ou não condenados: esta é uma “situação excepcional”. E nas “situações excepcionais”, os juristas da ditadura sempre arranjam uma fórmula para resolver as coisas, como se viu agora na subida da Junta militar.

As conversações só serão iniciadas a partir de declarações públicas e oficiais da ditadura de que atenderá às exigências. O método será sempre público por parte das autoridades e sempre imprevisto por nossa parte.

Queremos lembrar que os prazos são improrrogáveis e que não vacilaremos em cumprir nossas promessas.

Finalmente, queremos advertir a todos aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho.

Agora é olho por olho, dente por dente.

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8)

Leia também a versão original do Manifesto, com fonte no Arquivo Nacional.

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